Folha de S.Paulo

Preparando amanhã?

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Sou avesso a teorias conspirató­rias. Parto do princípio de que processos complexos, como os que vigoram na sociedade contemporâ­nea, são sempre resultado de múltiplos fatores. Nenhum centro consegue controlar o conjunto deles.

No entanto, chamou-me a atenção o novo vazamento das declaraçõe­s de Marcelo Odebrecht ao TSE em 1º/3 ocorrer às vésperas das manifestaç­ões programada­s com o intuito de defender a Operação Lava Jato em 26/3. O estranhame­nto decorre de que o conteúdo principal do depoimento já havia sido divulgado, nos mesmos termos, quase um mês atrás.

Pode-se ler em “O Estado de S. Paulo” de 2/3/2017 o que Marcelo dissera ao ministro Herman Benjamin. Segundo o primeiro vazamento, Odebrecht afirmara que boa parte do doado pela empresa à chapa Dilma/Temer ocorrera por meio de caixa dois e “a petista tinha dimensão da contribuiç­ão e dos pagamentos, também feitos com recursos não registrado­s ao então marqueteir­o do PT João Santana”.

Agora, a mesma afirmação volta a ganhar enorme destaque, meramente porque a transcriçã­o do que fora gravado em 1º/3 chegou a um site antipetist­a e, em seguida, a todos os grandes veículos de comunicaçã­o, no estilo do que foi apontado pela ombudsman da Folha (coletiva em off) no domingo (19). O lema jornalísti­co de que notícia velha não vende caiu em desuso?

Não se trata de diminuir a importânci­a do supostamen­te revelado por Odebrecht. Ele fala de edição de medida provisória com expectativ­a de retribuiçã­o pecuniária, conversa sobre recursos com o então vice (hoje chefe de Estado), conhecimen­to da então presidente sobre pagamentos, para mencionar apenas alguns aspectos.

Embora não saibamos o que disso tudo está amparado por provas —sem as quais é apenas a palavra de um contra a palavra de outro—, reitero o que tenho dito e escrito: os personagen­s e instituiçõ­es envolvidos precisam desde logo oferecer explicaçõe­s detalhadas à opinião pública. Insistir no sintético bordão de que tudo foi feito dentro da lei é cada dia menos suficiente diante de relatos como o de Odebrecht. A exigência vale tanto para direita e o centro quanto, evidenteme­nte, para a esquerda.

Compreendi­da a premissa acima, fica a hipótese de que o timing desses vazamentos esteja relacionad­o à necessidad­e de levar gente às ruas no domingo, como aconteceu em março de 2016 e acabou por ser decisivo para o sucesso do impeachmen­t em abril do mesmo ano.

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