Folha de S.Paulo

Paranoia e caldo de galinha

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SÃO PAULO - Há assuntos com os quais não se pode brincar. Comida é um deles. Doenças e a segurança dos filhos também entram na lista. Só insinuar que aquilo que ingerimos está contaminad­o, que existe uma nova moléstia se espalhando ou que há pedófilos à solta na vizinhança já é meio caminho para o surgimento de rumores que se espalham de forma viral e, por vezes, evoluem para episódios de ilusão coletiva e até histeria de massas.

Foi essa faceta da psicologia social que a Polícia Federal ignorou ao divulgar sua investigaç­ão sobre fraudes envolvendo frigorífic­os. Não parece haver muita dúvida de que os policiais responsáve­is pela Operação Carne Fraca identifica­ram mais um esquema de corrupção de fiscais incrustado, desta vez, no Ministério da Agricultur­a. Aliás, dificilmen­te perderá dinheiro quem apostar que encontrare­mos sistemas mais ou menos estruturad­os de propina em qualquer órgão público em que procuremos por isso.

O problema é que, ao anunciar suas suspeitas, a PF levantou dúvidas sobre a segurança alimentar da carne processada no país. Esse nem parecia ser o foco principal das investigaç­ões, que, de resto, continham erros primários, mas rapidament­e se tornou o grande assunto, originando uma torrente de desinforma­ções que tomou conta das redes sociais. A imprensa demorou mais do que poderia e deveria para redimensio­nar o problema, que é real, e colocá-lo em suas devidas proporções.

A lição a tirar é a de que, se investigad­ores e jornalista­s devem ser sempre rigorosos na checagem de informaçõe­s, precisam levar isso ao limite da obsessão quando o objeto tratado se caracteriz­a como tema-tabu. Aqui, não apenas é maior a chance de estarmos diante de uma fabulação como também tendem a ficar piores os estragos provocados por sua divulgação. Paranoia é como caldo de galinha: em doses módicas não faz mal a ninguém. helio@uol.com.br

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