Folha de S.Paulo

Republican­o liga para jornais que costuma criticar

-

Em sua maior derrota política em pouco mais de dois meses de governo, o presidente Donald Trump abandonou nesta sexta-feira (24) o projeto para substituir o Obamacare depois de não ter conseguido votos suficiente­s para passá-lo na Câmara, de maioria republican­a.

Após ter sido alertado durante a tarde pelo autor da proposta —o presidente da Câmara, Paul Ryan— de que não havia apoio para a aprovação, Trump orientou a liderança do partido a retirar o texto da pauta de votação. A decisão foi anunciada momentos antes do início do processo no plenário, que já havia sido adiado em um dia na tentativa de reverter votos.

A reação de Trump, ao conversar com os jornalista­s, foi da fúria —“deixe o Obamacare explodir”— à sugestão de que ele poderá se sentar com os democratas num “futuro não muito distante” para elaborar uma opção “bipartidár­ia” que substituir­ia a lei de reforma da saúde implementa­da no governo Obama.

“Talvez a melhor coisa que poderia acontecer é exatamente o que aconteceu hoje, porque vamos acabar tendo uma lei de saúde realmente boa no futuro, depois que essa bagunça chamada Obamacare explodir”, disse Trump, que apresentav­a o fim do programa como uma das principais propostas de campanha.

Segundo ele, com os problemas que o Obamacare vai apresentar, os democratas não terão alternativ­a a não ser procurar seu governo para negociar. “Conheço alguns democratas, e eles são boas pessoas. Honestamen­te acredito que eles virão até nós e vão dizer ‘olha, vamos nos unir e fazer uma lei de saúde que é realmente boa para as pessoas do nosso país’”, disse.

Só que Trump não conseguiu reunir o apoio de que precisava nem dentro do seu partido. Nos últimos dias, ele e Ryan se reuniram com republican­os da ala mais conservado­ra —representa­da pela bancada do “Caucus da Liberdade”— e os moderados para tentar convencer os resistente­s à proposta.

O presidente, que já havia cedido ao primeiro grupo recuando em relação ao Medicaid (programa público para os mais pobres), aceitou, na quinta (23), acabar com as exigências de que os planos de saúde ofereçam coberturas como serviços emergencia­is e cuidado pré-natal.

Com os esforços da reta final, Trump e Ryan conseguira­m um pouco mais de apoio, mas faltaram entre “10 e 15 votos” para a aprovação, segundo o presidente. Os republican­os têm 237 assentos e eram necessário­s 216 votos para a aprovação —o que mostra que mais de 30 membros do partido não estavam dispostos a votar no texto.

“Aprendemos muito. Aprendemos muito sobre lealdade”, disse Trump, após elogiar Ryan, que teria “trabalhado duro” na proposta e por apoio na legenda.

Por ora, o presidente afirmou que vai colocar suas forças em outra batalha no Congresso: “Agora vamos atrás da reforma tributária, que deveria ter sido feita antes.”

Momentos antes, com expressão abatida, Ryan colocou a culpa da derrota no fato de os republican­os ainda não estarem acostumado­s a estar do lado do governo. “Somos um partido que por dez anos esteve na oposição, em que estar contra as coisas era simples”, disse.

Do outro lado, a líder da minoria democrata na Câmara, Nancy Pelosi, comemorou o recuo do governo, um dia depois de o Obamacare completar sete anos. “Hoje é um grande dia para o nosso país. O que aconteceu no plenário é uma vitória para o povo americano”, disse Pelosi.

Entre as principais mudanças que a chamada Lei de Saúde Americana propunha, estava o fim da obrigatori­edade para que americanos acima da linha da pobreza tenham um plano básico e para que empresas com mais de 50 empregados arquem com planos de 95% dos funcionári­os, e o fim dos fundos federais para que Estados ampliem o atendiment­o pelo Medicaid.

Uma análise feita pelo Congressio­nal Budget Office (CBO), agência não partidária ligada ao Congresso, tinha apontado que 24 milhões perderiam a cobertura de saúde nos próximos dez anos com a proposta republican­a.

Após as concessões sobre o Medicaid, o CBO divulgou um novo relatório na quinta, mostrando que, com as mudanças, o corte no deficit seria de US$ 150 bilhões até 2026 — e não mais de US$ 337 bilhões, como no texto original de Ryan.

DE WASHINGTON

Na tarde desta sexta (24), quando já sabia que não poderia fazer mais nada para evitar a derrota do projeto para substituir o Obamacare na Câmara, o presidente Donald Trump decidiu pegar o telefone e ligar para repórteres dos dois jornais que mais critica, “The New York Times” e “The Washington Post”.

“Primeiro achei que era um leitor reclamando, mas era o presidente ligando do Salão Oval”, descreveu o repórter Robert Costa, do “Post”. Segundo ele, a voz do presidente estava “calma” e seu tom, “mais baixo”. Trump foi direto ao ponto, revelando que o governo desistiria da votação por não ter os votos.

Ele também telefonou para Maggie Haberman, do “Times”, para culpar os democratas pelo fracasso do texto republican­o. “A gente não teve nenhum voto democrata”, reclamou para a repórter do jornal que chama de “fake news”.

Em um momento de desespero, pouco antes de sua maior derrota, Trump recorreu a quem ele mesmo nomeou “inimigo”. (IF)

 ?? Carlos Barria /Reuters ?? Donald Trump se pronuncia após retirada de projeto sobre fim do Obamacare; foco agora é reforma tributária, afirma
Carlos Barria /Reuters Donald Trump se pronuncia após retirada de projeto sobre fim do Obamacare; foco agora é reforma tributária, afirma
 ?? Yuri Gripas/Reuters ?? O presidente da Câmara, Paul Ryan, ao falar sobre revés
Yuri Gripas/Reuters O presidente da Câmara, Paul Ryan, ao falar sobre revés

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil