ANÁLISE Ironicamente, sucesso da união desvalorizou ‘marca Europa’
FOLHA
É uma cruel ironia que, neste 25 de março em que se comemoram os 60 anos do tratado fundacional da Comunidade Europeia, a ideia de comunidade esteja sendo atropelada pela emergência —ou ressurgimento— do apego ao Estado-nação.
Tanto é assim que, pela primeira vez desde então, em vez de festejar uma adesão, a Europa negocia a saída de um de seus membros mais importantes —o Reino Unido.
Os europeístas podem até dizer que a Comunidade Econômica Europeia, como foi batizada pelo Tratado de Roma, está a morrer de êxito.
Seu ponto principal foi a criação do embrião do mercado comum, assinado à época por apenas seis países (a então Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo). Pulouse em prazo historicamente curto para os atuais 28, se computado o Reino Unido.
A agora União Europeia abriga apenas 7% da população mundial, mas representa 25% da economia do planeta, além de ser uma formidável usina comercial e de ter um sistema de bem-estar social inigualável.
Foi exatamente o êxito do modelo europeu que o tornou atrativo e, no limite, acabou por asfixiá-lo.
O caso da Espanha é ilustrativo: como adotar o regime democrático era —e é ainda— condição “sine qua non” para fazer parte do clube comunitário, a ditadura do general Francisco Franco fechava as portas da Europa para a Espanha, o que representava uma limitação severa para o desenvolvimento.
Consequência: a ditadura foi perdendo apoio entre os empresários, que haviam sido seu suporte, até ser enterrada, em 1977. Nove anos depois, a Espanha aderia à CEE —e inaugurava um ciclo de expansão só interrompido pela crise global de 2008/09.
De certa forma, essa atração acabou sendo fatal: os seis países originais eram relativamente homogêneos.
Hoje, não dá para dizer que a Romênia (adesão em 2007) tenha muitas afinidades com a Suécia, por exemplo, que aderiu dois anos antes.
É obviamente muito mais difícil harmonizar normas para 28 países do que para 15 nações, a quantidade existente antes que a implosão do comunismo levasse a um novo e explosivo aumento no número de sócios.
O êxito da construção europeia pode ser medido também no quesito paz: dois dos seis fundadores, Alemanha e França, haviam travado incontáveis guerras, a mais recente delas (a Segunda Guerra Mundial) encerrada apenas 12 anos antes da assinatura do Tratado de Roma.
Outra nação fundadora, a Itália, havia sido aliada da Alemanha, que invadira os três restantes membros do sexteto inaugural.
Com a CEE, nunca mais houve uma guerra em solo europeu, excetuada, claro, a guerra dos Bálcãs, que, de todo modo, envolveu países que não eram membros da Comunidade. Hoje, a Croácia faz parte da UE, e a Sérvia, que com ela guerreou, está negociando a adesão.
Além do êxito da experiência comunitária, contribuiu para o surgimento de problemas o ousado passo dado em 1992, com um novo tratado (o de Maastricht). Do mercado comum, passava-se também a uma moeda única, o euro, adotada em 1999 e usada hoje por 19 países.
Os críticos dizem que é impraticável adotar uma mesma moeda por países em situações fiscais e de competitividade muito diferentes.
A crise global deu argumentos a eles: a Grécia, atada ao euro, não podia desvalorizar a sua moeda, atalho comumente usado para estimular uma economia em recessão, pela via do incentivo às exportações representado por uma moeda fraca.
A crise deu asas também a movimentos nacionalistas e xenófobos em diferentes países, inclusive no mais próspero deles e o menos afetado pela crise, a Alemanha.
Por isso mesmo, o aniversário acontece em um ano em que não há adesão à vista à “marca Europa” e, sim, um divórcio importante.