Folha de S.Paulo

Atentado em Londres reflete posição internacio­nal britânica

- HENRIQUE GOLDMAN

FOLHA

O tão antecipado e previsível atentado terrorista em Londres infelizmen­te aconteceu. Um ser muito doente, “armado” com um Hyundai SUV cinza metálico e uma faca de cozinha, matou quatro pessoas e feriu outras 40 à sombra do Big Ben antes de ser morto pela polícia.

É muito difícil, antes de mais nada, não se condoer profundame­nte com as vítimas e seus familiares e não deplorar, sem reservas, ideologias que justificam atos de delinquênc­ia bárbara contra inocentes.

Mas é revoltante o tom histérico de grande parte da mídia e da opinião pública britânica que insiste em retratar o atentado como se se tratasse de uma espécie de “mini 11 de Setembro” e mais um assalto do fundamenta­lismo islamita contra valores fundamenta­is da moral judaicocri­stã numa contínua guerra de civilizaçõ­es.

Se quisermos mesmo falar nestes termos, o certo seria então lembrar, em tom igualmente inflamado e consternad­o, que um dia antes, na cidade síria de Raqqa, controlada pelo autoprocla­mado Estado Islâmico (EI), 33 civis foram mortos quando uma escola, usada como abrigo para refugiados, foi alvejada por um míssil dos EUA.

O Reino Unido não faz parte desta específica coalizão anti-Estado Islâmico na Síria, mas sua participaç­ão direta e indireta, passada e presente, em praticamen­te todos os conflitos no Oriente Médio. torna essa associação, no mínimo, justificáv­el.

Ao falar do atentado em Londres, a mídia estridente raramente se lembra, por exemplo, dos bilhões lucrados pelo país com venda de armamentos à Arábia Saudita para bombardear civis no Iêmen ou —só mais um exemplo entre tantos outros— do vergonhoso papel dos seus governante­s e do seu Exército na Guerra do Iraque.

Em nome da paz e do humanismo há de se fazer um maior esforço para entender relações óbvias de causa e efeito. Sabiamente, logo após ao atentado às Torres Gêmeas em Nova York, um amigo disse: “A própria incapacida­de dos americanos em entender por que o atentado aconteceu explica, em grande parte, esta tragédia”.

Raramente o terrorismo de Estado é reconhecid­o e julgado como tal e, numa democracia, às vezes é complicado comparar bons moços a delinquent­es. Mas, traduzindo Oscar Wilde, eu diria que “a hostilidad­e excessiva é quase sempre a máscara de uma secreta afinidade”. HENRIQUE GOLDMAN

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