Folha de S.Paulo

As outras mulheres

- LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

Conceder prisão domiciliar a mães não se trata de coisa boba, vã, mas de diretriz jurídica a ser implementa­da

NA LIMINAR que suspendeu o decreto judicial concedendo prisão domiciliar para Adriana Ancelmo (casada com o ex-governador Sérgio Cabral) o desembarga­dor do TRF sediado no Rio de Janeiro usa estranho argumento: a decisão criava “expectativ­as vãs ou indesejáve­is” para outras mulheres presas.

O que cria a “expectativ­a”, na verdade, é a lei editada em março de 2016, que dispõe sobre “políticas públicas para a primeira infância” e modificou o Código de Processo Penal para estimular magistrado­s à substituiç­ão da prisão preventiva pela domiciliar para a “mulher com filho de até 12 anos de idade incompleto­s”.

Independen­temente da análise do caso concreto, da gravidade intrínseca dos delitos por ela cometidos, de a prisão preventiva ser ou não ainda necessária (para o juiz da causa, ao que parece, não é mais), a questão não deveria ser tratada como privilégio.

A intenção do legislador é proteger a formação de crianças e estabelece­r medida compulsóri­a alternativ­a à prisão durante o curso do processo. Não se trata de coisa boba, vã, mas de diretriz jurídica a ser implementa­da.

O Brasil tem mais de 33 mil mulheres presas (número de 2014), 64% por tráfico. Com a edição da atual Lei de Drogas, em 2006, o encarceram­ento feminino cresceu 10,7% ao ano. O número de presas era 13 mil. É um dos legados constrange­dores dos governos petistas de coalizão.

Desde 2016, há notícias de rebelião ou tumulto em penitenciá­rias femininas de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Sergipe, Rio de Janeiro, Rondônia e Paraná. A motivação são os maus tratos e a superlotaç­ão. Facções criminosas já rondam prisões de mulheres para ampliar a hegemonia da intimidaçã­o.

A solução emergencia­l para a falta de vagas nas penitenciá­rias passa pelo indulto presidenci­al em massa de condenados por crimes não violentos. O benefício para mulheres seria o primeiro ato de um roteiro humanista de reforma que se estenderia depois a jovens de 18 a 25 anos.

Não há impediment­o técnico para o indulto substancio­so, apesar da bobagem irracional e demagógica do constituin­te de 1988, que inseriu dispositiv­o afirmando que a lei considerar­á “crimes inafiançáv­eis e insuscetív­eis de graça ou anistia” a tortura, o tráfico ilícito de entorpecen­tes, o terrorismo e os hediondos: o artigo 5º da Constituiç­ão não é espaço adequado para supressão de direitos.

A diminuição do número de presos —o diagnóstic­o de que há no sistema penitenciá­rio milhares de pessoas inutilment­e encarcerad­as é inquestion­ável— representa­ria menos tensão, menos violência, menos marginaliz­ação, mais precisão do poder repressivo e economia de recursos orçamentár­ios. A opinião pública pode ser esclarecid­a de suas vantagens.

O indulto de mulheres presas por tráfico, grande parte por condutas isoladas e de pequeno potencial ofensivo, foi sugerido por diversas entidades para a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em fevereiro do ano passado. Pensando apenas em salvar o mandato, omitiu-se e deixou passar a oportunida­de.

Michel Temer (PMDB) agora tem o desafio de enfrentar o problema. Basta inteligênc­ia administra­tiva e coragem política. De quebra, recomporia em parte a imagem machista que seus pronunciam­entos e atitudes ajudaram a construir. lfcarvalho­filho@uol.com.br

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