TUBARÃO DE RIBEIRÃO
Barbicha, 20 kg, 1,6 m e nome fofo, Dentinho cresceu em aquário dentro de uma casa no interior paulista, sendo alimentado com cem camarões a cada dia, até ser resgatado nesta semana pelo Aquário de Ubatuba, no litoral
Na quarta (22), o Aquário de Ubatuba, no litoral norte paulista, enviou uma equipe até Ribeirão Preto, no noroeste do Estado, para resgatar um tubarão de 20 kg, barbicha e nome fofo: Dentinho.
Idade não definida, mas ainda pré-adolescente, Dentinho cresceu na casa de um aquarista ribeirão-pretano. Chegou lá há três anos e meio, enfiado num isopor de gelar cerveja de 60 cm de comprimento. O tuba tinha 70 cm.
“O cara não me disse como o conseguiu, se o pescou no mar ou se comprou numa loja. Mas disse que iria fazer churrasco dele caso não encontrasse destino para o bicho”, conta o aquarista, que aceitou o encargo, apesar da ilegalidade da coisa (por isso, seu nome fica sob sigilo).
O tubarão-lixa —que tem esse nome devido à pele áspera ao toque— está ameaçado de extinção desde 2004. Mesmo se não estivesse, seria ilegal. É crime manter qualquer animal selvagem brasileiro (jabutis, araras, tucanos, papagaios, onças, cobras) em casa, ato passível de multa de R$ 5.000 (ameaçados) ou R$ 500 (não ameaçados).
A lei, entretanto, incentiva quem tem um bicho desses e decide entregá-lo voluntariamente. Nesse caso, o dono do animal não é autuado. Foi o caso do aquarista de Ribeirão Preto, cuja entrega ao Aquário de Ubatuba foi acompanhada pela PM Ambiental e representantes da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
O tubarão surpreendeu os policiais de Ribeirão, mais acostumados com onças. “Em 16 anos, é a primeira vez que isso me acontece”, disse o cabo destacado para a operação. “Aliás, é o primeiro chamado que recebemos referente a um peixe.” CAMARÕES Voltando a 2013, o “churrasqueiro” disse que alimentava o tubarão com peixes e mais nada falou. “Tentei, mas não funcionou. Passei para o camarão”, conta o aquarista.
Por três anos, Dentinho comeu uma média de cem camarões cinza descongelados por dia. O gasto mensal era de R$ 1.000 (mais R$ 150 de sal especial para trocar 10% da água a cada mês).
De lambuja, o dócil tubarão ganhava alguns peixessargento ou olho-de-vidro para caçar e devorar em seu aquário de 3,2 metros.
O tutor dormia com a janela aberta e, do primeiro andar de sua residência, assistia, durante a noite, Dentinho rodopiar na água. O aquário de 3.000 litros fica no mezanino em frente à sua janela.
Quando se irritava, o peixe jogava 300 litros para fora abanando o rabo. A mulher dele não se irritava, mas tinha pesadelos: “Os aquários todos estouravam e os peixes todos escorriam pelas escadas, e eu correndo atrás”.
Sim, porque o aquarista não possuía apenas a residência de Dentinho, mas também 16 outras caixas de vidro, com peixes-palhaços, yellow tangs, desjardinis, hepatos (a Dory da Pixar), caramujos, anêmonas, corais (esses seres são importados e/ ou têm comércio legalizado).
Tudo de água salgada, exceto uma arraia negra com bolinhas brancas de água doce com nota fiscal (R$ 4.000) e, essa sim, documentação apropriada do Ibama.
Há cerca de um ano, quando o tubarão estava chegando ao atual 1,60 metro, ele começou a ficar amuado. “Não deixava mais eu passar a mão nele.” Por alguns dias, o peixe se recusava a comer.
A isso se somou um cansaço do aquarista. Por três anos, ele trepava numa escada e colocava, um por um, os cem camarões na boca do tubarão, com uma garra de plástico. Para facilitar, trocou a alimentação por filé de merluza. O RESGATE Há três semanas, após a divulgação do apuro de Dentinho num blog oceanográfico, o Aquário de Ubatuba se prontificou a ajudar. Hugo Gallo Neto, oceanógrafo e diretor do local, instruiu o aquarista a fazer a entrega voluntária e, de quebra, perguntou se ele sabia o gênero do tuba.
“Não”, ele respondeu. “Pois procure protuberânci- as embaixo dele, na altura da maior barbatana dorsal. São duas, se for macho.” Surpresa! Dentinho é fêmea.
A operação de resgate começou às 6h45 de quarta, em Ubatuba, com um caminhão baú e uma camionete com três biólogos, uma veterinária, um tratador, um eletricista e uma jornalista, além do motorista.
O caminhão levava um tanque de 1.400 litros de água salgada, feito de madeira e fibra de vidro. Dois reservatórios, com 1.000 litros cada, serviam como reserva. Como último recurso, sacos de sal empilhados: se necessário, seria possível encher o tanque em um posto qualquer e transformá-la em água de tubarão.
A caravana chegou às cercanias de Ribeirão às 17h e a primeira providência foi comparar a água do aquário com a do tanque do caminhão. Além do sal, foram analisados temperatura, pH, quantidades de amônia, nitrito e oxigênio dissolvido. O pH do aquário estava abaixo do ideal.
Liderados pelo biólogo Leandro Santos, a equipe mergulhou no aquário uma espécie de maca, feita de lona náutica. Após algumas tentativas, Dentinh(a) entrou no tubo.
Debateu-se um tanto. Foi colocada num recipiente de plástico com água, enquanto lhe espetavam uma seringa próxima à nadadeira traseira.
A veterinária tirou 10 ml de sangue para fazer um hemograma e outros exames. Em seguida, o tubarão foi carregado até o caminhão.
O caminho de volta previa paradas a cada hora para checar os seis parâmetros da água. O tubarão passou a noite e a manhã por 500 km de rodovias paulistas e foi colocado no tanque de quarentena, com 20 mil litros (7 vezes mais que a antiga caixa de vidro), às 11h de quinta (23).
No Aquário de Ubatuba, Dentinha, que deve ganhar um novo nome, está nadando serelepe, como nunca teve oportunidade antes em sua vida de aquário.