MUDANÇA DE HÁBITO
Nicolas Ghesquière, diretor da Louis Vuitton, concretiza mudança brusca no império de R$ 85 bilhões ao mesclar moda urbana e alta costura em um novo padrão para roupas femininas
COLUNISTA DA FOLHA
No mundo paralelo da moda, onde as tendências surgem e desaparecem com a rapidez de um clique, pouca gente conseguiu influir tanto no estilo das mulheres quanto ele. Diretor criativo da grife mais poderosa da atualidade, a francesa Louis Vuitton, e considerado um dos últimos midas da indústria, Nicolas Ghesquière, 45, carrega o peso de um império avaliado em R$ 85 bilhões.
Carregará outro. Na mais recente temporada de moda de Paris, em março, ele decidiu que é hora de olhar sem reservas para o futuro da moda e esquecer o passado.
Sua coleção de inverno 2018 é um ponto de virada para a indústria mundial, acostumada a reciclar décadas do século 20 sem assumir riscos.
Certo de que comanda uma grife com capacidade de interferir nos rumos da criação, do alto luxo ao fast-fashion, ele assumiu em todas as roupas seu desejo de ver as mulheres livres da moda rebuscada e cheia de seda que persegue há décadas a maioria das grandes casas francesas.
Guesquière propõe peças intercambiáveis para o dia e para a noite, que guardam a estética funcional das roupas comuns vistas nas ruas, mas também as técnicas, os materiais tecnológicos e as proporções que são próprios do trabalho de alta-costura e diferenciam o luxo do real.
“É minha visão sobre o estilo urbano, que tem orgulho de misturar materiais comuns a novas ideias de estilo”, diz o designer à Folha.
Essa ideia foi ensaiada de forma gradativa quando ele passou a comandar a Balenciaga, no final dos anos 1990.
À época, a chacoalhada deu novo gás à pequena grife e a ideia foi logo potencializada por Riccardo Tisci, exestilista da também pequena Givenchy, que uma década mais tarde obteria sucesso ao concentrar sua tesoura mais no “street” do que no luxo.
Quando a divisão de moda da Vuitton voltou a dar lucros consistentes, a indústria começou a entender o novo mandamento. Em 2016, a holding LVMH, dona na marca, atingiu lucro recorde de 11%.
A equação, perene e liberta de tendências, finalmente incluiu a rua e as novas gerações no radar das “maisons”, sem, no entanto, descaracterizar o apelo de exclusividade atrelado ao luxo.
“É um movimento de larga escala, não toca em apenas um ou outro segmento [de clientes]”, diz Ghesquière. Para ampliar os horizontes, ele colocou tecnologia e inovações em primeiro plano “como uma maneira de se comunicar com as gerações mais jovens, a juventude ‘millennial’”. NOVOS CLÁSSICOS Os “millennials”, como são chamados os nascidos entre 1980 e 2000, são uma obsessão do mercado da moda e, de acordo com o estilista, partes indissociáveis da criação.
“É uma juventude que espera novidades, novas formas de interpretar materiais e tecidos clássicos para ver roupas reinventadas, porque é uma geração de mídias sociais, da rapidez em todas as esferas do comportamento. A moda precisa responder a isso.”
Sobram exemplos de pequenas “ousadias” do designer. Entre eles uma capa de iPhone 7 em formato de porta-malas, estampada com o monograma “LV” e as flores de quatro pétalas.
Seria fato banal se não se tratasse da mais conservadora referência à moda de luxo, um padrão intocado, idealizado em 1896 por George Vuitton em homenagem ao pai, Louis Vuitton (1821-1892).
Foi a estampa, tida como o primeiro desejo de quem começa a consumir moda de luxo, que tornou a confecção de malas na gigante mais pirateada do mundo.
A mesma ideia foi aplicada a uma bolsa, a “petite malle”, criada há três anos e o maior sucesso de Ghesquière para a grife. O formato do acessório remonta aos primeiros porta-malas da etiqueta.
“É tudo tão simples, mas ninguém nunca tinha pensado em fazer antes”, explica.
Essas mudanças também têm a ver com a proteção de um legado. Assim como fizeram a inglesa Burberry e a italiana Gucci, alterar e reeditar códigos da grife faz com que ela se diferencie das falsificações disponíveis no mercado.
Um dos paradigmas da diferenciação propagada por ele é o “empoderamento feminino”,