Folha de S.Paulo

Antes de ‘Moby Dick’, Melville fez relato enciclopéd­ico de marujo que vai ao Rio

- SÉRGIO RODRIGUES

FOLHA

“Nãodeixona­dapassar,por menor que seja”, anota o narrador de “Jaqueta Branca ou o Mundo em um Navio de Guerra”, de Herman Melville, lançado em 1850 (um ano antes da obra-prima “Moby Dick”) e publicado pela primeira vez no Brasil em edição caprichada. Ele não está brincando.

Disposto a “registrar as menores trivialida­des relacionad­as a coisas que estão fadadas a desaparece­r totalmente da Terra”, o autor dedica um detalhismo enciclopéd­ico ao registro de sua experiênci­a de 14 meses como marujo a bordo do “USS United States”, aqui rebatizado de “Neversink”(Nunca-Afunda). explicado e situado num

“JaquetaBra­nca”nãoébem complexoed­ifíciohier­árquico. um romance. Parte crônica de A condição de clássico que viagem, parte reportagem ficcionali­zada o escritor adquiriu postumamen­te para ocultar a garante a importânci­a identidade dos personagen­s, do livro para estudiosos de literatura. éaindaumli­belocontra­odespotism­o O retratista de tipos, da Marinha, sobretudo o leitor de clássicos, o humorista contra os castigos físicos e o estilista estão preservado­s impostos aos marinheiro­s. pela boa tradução.

Como propaganda política, Melville tinha razão, porém, a obra foi um sucesso. Citando-a ao considerar “Jaqueta como inspiração, o Branca” uma obra menor, escrita Congresso americano aboliu em apenas dois meses. aschibatad­asnaMarinh­ameses Recheado de episódios que após seu lançamento. vale a pena garimpar, o livro

Seu valor para historiado­res como um todo se ressente de náuticos é incalculáv­el. O um certo tom de relatório. olhar de Melville flagra tanto O único fio condutor romanesco, a arquitetur­a física quanto a a desajeitad­a “jaqueta social:cadacentím­etrodonavi­o branca” que o narrador fabrica é esquadrinh­ado por descrições­meticulosa­secadaofíc­io, para si e que quase o mata no fim, é frágil demais para evitar as calmarias. Talvez uma caça à baleia —também branca—funcionass­emelhor?

Paraoleito­rbrasileir­o,amelhor surpresa está no miolo, nascercade­cempáginas­que, apartirda1­74,mostramo“Neversink”noRio.Exaltadoco­m abelezadap­aisagem,onarrador quebra então sua promessade­nãofalarde­nadaqueest­eja fora do navio.

Seu entusiasmo é temperado por comédia quando um jovem dom Pedro 2º, homem de modos “mais que impecáveis”, sobe a bordo em visita de cortesia e provoca a ira de um marujo falastrão. “O verdadeiro imperador aqui sou eu!” A curiosa parte “brasileira” já seria suficiente para recomendar o livro. AUTOR Herman Melville TRADUÇÃO Rogério Bettoni EDITORA Carambaia QUANTO R$ 103,90 (464 págs.) AVALIAÇÃO bom

 ?? Thomas Clarke - 1797/Reprodução ?? Fragata ‘USS United States’, chamada no livro de ‘Neversink’
Thomas Clarke - 1797/Reprodução Fragata ‘USS United States’, chamada no livro de ‘Neversink’

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