Folha de S.Paulo

Tam para o PIB, enquanto, pelo menos no Reino Unido, 15 horas de trabalho voluntário têm valor zero.

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Na virada do milênio, o Departamen­to de Comércio dos Estados Unidos promoveu um evento para celebrar uma das grandes realizaçõe­s do século 20: a invenção do PIB (Produto Interno Bruto).

Alan Greenspan, então presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, mencionou um pequeno motivo para cautela: o PIB não revela tudo que é preciso saber.

O exemplo escolhido foram os Estados do sul dos Estados Unidos e seu forte uso de aparelhos de ar-condiciona­do no verão. Tudo que esses Estados gastassem com isso estaria incluído no PIB.

Já em Vermont, a “brisa maravilhos­a” tornava o ar -condiciona­do desnecessá­rio e não aparecia nos registros de atividade econômica.

Para Greenspan, PIB e bem-estar não devem ser confundido­s, algo que vem ocorrendo cada vez mais.

Mas, para céticos como Lorenzo Fioramonti, professor de economia política na Universida­de de Pretória (África do Sul), a crítica mal arranha a superfície do problema.

Em “The World After GDP” [O mundo após o PIB], ele argumenta que o indicador é um obstáculo à construção de sociedades melhores.

O homem a quem em geral é atribuída a invenção do PIB é Simon Kuznets. Em 1934, ele demonstrou em um estudo que, nos três anos posteriore­s ao crash em Wall Street, a produção da economia dos Estados Unidos havia caído praticamen­te à metade.

Mas, como escreve Fioramonti, Kuznets foi se inquietand­o cada vez mais com a direção em que o PIB seguiu.

O PIB mede coisas que Kuznets considerav­a não deverem ser computadas em uma sociedade civilizada: armamentos, crime, combate ao crime e desastres de automóveis, por exemplo.

Se o PIB contém tanto que não deveríamos valorizar, exclui muita coisa a que deveríamos dar valor.

Uma compra de heroína ou uma hora de sexo pago con- CONSEQUÊNC­IAS Fioramonti aponta que recebemos aquilo que medimos. Conferimos valor ao que é visível —atividade econômica transacion­ada— e designoram­os o que é invisível.

Isso afeta a política pública e até mesmo nossa forma de pensar. Tendemos a apoiar qualquer coisa que eleve a atividade econômica, ainda que traga consequênc­ias adversas —por exemplo a degradação do ambiente ou uma jornada de trabalho socialment­e destrutiva.

E enxovalham­os ou ridiculari­zamos qualquer coisa que coloque em risco a atividade econômica, como a jornada semanal de trabalho de 35 horas vigente na França ou a ideia de um imposto sobre a emissão de poluentes. UTOPIA

 ?? Christophe Ena - 9.mar.16/Associated Press ?? Ato em Paris em favor da jornada de 35 h; para autor, movimento social é rebelião contra PIB
Christophe Ena - 9.mar.16/Associated Press Ato em Paris em favor da jornada de 35 h; para autor, movimento social é rebelião contra PIB

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