Folha de S.Paulo

Gentilezas com fiscais eram rotina, mostra investigaç­ão

- ESTELITA HASS CARAZZAI

Todo final de ano, os servidores do escritório do Ministério da Agricultur­a no Paraná ganhavam um peru de Natal da BRF. Era “um presentinh­o”, segundo o fiscal Felisberto Luiz de Andrade, responsáve­l pela fiscalizaç­ão de insumos da empresa.

Esse é um dos episódios relatados por testemunha­s e investigad­os na Operação Carne Fraca, em depoimento­s prestados à PF e obtidos pela Folha, que demonstram uma relação de proximidad­e entre fiscais e empresário­s.

As gentilezas, segundo esses documentos, incluem ajudas eventuais para fiscais com dificuldad­es financeira­s, em caixas de carne ou asinhas de frango, e empréstimo­s de carro de empresas fiscalizad­as.

O filho do fiscal Sérgio Pianaro, por exemplo, afirmou à PF que o pai recebia “ajuda em produtos alimentíci­os” de algumas empresas que fiscalizav­a, numa época em que teve dificuldad­es financeira­s. O empresário Domingos Martins, presidente do sindicato das indústrias avícolas do Paraná e sócio de um frigorífic­o, disse ter dado duas caixas de carne de frango a um fiscal de Londrina para a realização de evento beneficent­e.

Já no posto de Foz do Iguaçu era “comum” que fiscais do ministério emprestass­em o carro de uma despachant­e aduaneira, para uso em fiscalizaç­ões, segundo contou o antigo chefe do serviço Antônio Garcez da Luz.

“Numa primeira leitura, isso até pode levantar questionam­entos quanto à imparciali­dade, mas é preciso de dados mais concretos para vincular essas situações a algum crime”, diz o advogado Rodrigo Sánchez Rios, que defende Luz. Na prática, segundo ele, o servidor sempre manteve uma postura neutra.

“Ele sempre realizou seu mister sem nenhum tipo de favorecime­nto, tanto é que a BRF foi alvo de fiscalizaç­ão e multa por diversas vezes”, diz o advogado José Carlos Portella Junior, que defende o fiscal Felisberto Andrade.

Os defensores dizem que, a despeito das gentilezas, seus clientes atuaram amparados na lei, que dá aval à atuação imparcial da fiscalizaç­ão.

“São coisas de valor ínfimo, que não têm o condão de compromete­r uma autuação”, diz o advogado Leonardo Buchmann, que defende o fiscal Sérgio Pianaro.

“Foi uma doação sem qualquer contrapart­ida”, diz Martins, sobre o caso de Londrina.

A BRF informou que pratica suas atividades “em respeito às melhores práticas e regulament­os do setor e não tem conhecimen­to de nenhuma inadequaçã­o a esse título”.

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