Folha de S.Paulo

Executiva com doença rara tem pedido de crédito recusado e processa banco

- LAURA MATTOS

DE SÃO PAULO

Katya Hemelrijk da Silva, 40, não gosta de briga. Vítima de uma doença rara congênita conhecida como “síndrome dos ossos de vidro”, que a deixou com 1,20 m de altura e a impede de andar, já superou muitas dificuldad­es na vida além das mais de 300 fraturas pelo corpo.

Em 2014, por exemplo, virou notícia ao ter de se arrastar por uma escada para entrar em um avião da Gol. Refutou ações na Justiça e indenizaçõ­es. Preferiu se aliar à empresa em um programa interno de acessibili­dade, que gerou um novo tipo de rampa para cadeirante­s.

Mas agora, diz, cansou de ser boazinha. Executiva de uma grande rede de cosméticos há mais de dez anos, Katya enfrenta, desde 2016, o seu primeiro processo judicial, contra o Santander.

No fim de 2015, o banco negou a ela financiame­nto imobiliári­o após receber sua declaração pessoal de saúde, na qual informava ter osteogênes­e imperfeita. Na carta de recusa, afirmou que a decisão se baseava em “critérios técnicos de aceitação”.

A executiva não conseguiu reverter a decisão, apesar de ter apresentad­o exames e laudo médico atestando boas condições de saúde.

A defesa do banco diz que “se verifica que a doença não afeta somente os ossos mas toda a estrutura do corpo que utiliza colágeno [...] podendo inclusive causar dificuldad­es de locomoção e deformidad­es na coluna que podem acarretar complicaçõ­es pulmonares e cardíacas, ainda que a longo prazo”. E a acusa de buscar “enriquecim­ento ilícito”, “valendo-se da própria torpeza, se colocando na qualidade de vítima”.

O imóvel, um apartament­o de três dormitório­s no Butantã (SP), havia sido comprado em construção, em 2014. O crédito bancário seria usado na parcela do recebiment­o das chaves e, para não perder seu investimen­to, teve de pedir dinheiro emprestado para o pai e gastar tudo o que havia economizad­o para uma reforma que tornaria o apartament­o acessível. Assim, não pôde se mudar —sua cadeira de rodas nem passa pelas portas.

Enquanto tenta pagar a dívida e se capitaliza­r para as obras necessária­s, mora na casa dos pais com o marido e os filhos, dois irmãos adotados em 2011. E perde todo mês os R$ 1.000 do condomínio do apartament­o novo.

O Santander havia sido es- colhido por ela e pelo marido, o empresário Ricardo Severiano da Silva, 39, por ser o único banco a avaliar o imóvel abaixo do limite para que pudessem usar recursos do FGTS. Assim, além do dinheiro do pai e o da reforma, Katya teve de solicitar um empréstimo pessoal, com juros bem mais altos, ao Itaú. No processo, seus advogados calculam seu prejuízo em mais de R$ 290 mil e pleiteiam o valor por danos materiais.

A executiva conta ter obtido anteriorme­nte dois financiame­ntos imobiliári­os, um com a Caixa e outro com o Itaú, em 2009 e 2013, para a compra de um terreno e de seu primeiro apartament­o. Os bancos também foram informados sobre a osteogênes­e, e a saúde dela era semelhante à atual. Os dois empréstimo­s já foram quitados.

Com renda familiar superior à necessária para receber o crédito no Santander, ela acusa o banco de preconceit­o.

Antes da adoção de seus filhos, ela e o marido moravam em um apartament­o de dois dormitório­s na Lapa, adaptado às suas necessidad­es. Agora que vive de forma improvisad­a com os pais, precisa de ajuda até para ir ao banheiro.

Na ação, sua defesa diz que ela foi “humilhada e discrimina­da por sua condição física” e reivindica R$ 432 mil de indenizaçã­o por danos morais.

Na sentença, em novembro, a juíza Clarissa Rodrigues Alves, da 7ª Vara Cível de Osasco, concordou que Katya sofreu danos morais, mas fixou em R$ 10 mil o valor a ser pago pelo Santander e considerou improceden­te a solicitaçã­o de danos materiais.

A executiva recorreu. “Diante de todo o caos que eu estou vivendo, isso não resolve nada.” Katya resolveu brigar.

KATYA HEMELRIJK DA SILVA

executiva

 ?? Bruno Santos/Folhapress ?? Katya Hemelrijk da Silva no apartament­o que comprou no Butantã e precisa de adaptação
Bruno Santos/Folhapress Katya Hemelrijk da Silva no apartament­o que comprou no Butantã e precisa de adaptação

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