‘Nosso trabalho não é confiar, é verificar’
Nos últimos dias, o advogado americano Charles Duross e seu colega brasileiro Otavio Yazbek estiveram imersos na sede da Odebrecht, em São Paulo, analisando dados e entrevistando os seus principais executivos.
Eles são os monitores indicados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e pela força-tarefa da Operação Lava Jato para fiscalizar a empresa nos próximos três anos e garantir que ela não voltará a praticar atos ilícitos como os revelados pelas investigações.
Os advogados, que ainda estão dando os primeiros passos para conhecer a empresa e definir um plano de trabalho, dizem já ter identificado alguns focos de preocupação: a cultura interna da Odebrecht, a descentralização na tomada de decisões e a dificuldade para rastrear o fluxo do dinheiro na organização.
Em entrevista à Folha, Duross e Yazbek disseram, sem citar nomes, que pretendem vigiar de perto os executivos mantidos na Odebrecht mesmo depois de admitir a prática de crimes, assim como parentes e pessoas relacionadas.
Dos 77 delatores que fecharam acordo com a Lava Jato, 26 continuam na empresa, entre eles o presidente do conse- lho de administração, Emilio Odebrecht, filho do fundador do grupo e pai de seu principal executivo até o início da Lava Jato, Marcelo Odebrecht, que está preso em Curitiba.
“Às vezes é necessário manter essas pessoas, porque sua saída pode gerar problemas para a empresa. Mas tem que vigiar o que estão fazendo e talvez até restringir suas possibilidades de atuação”, afirmou Yazbek, sócio do escritório Yazbek Advogados e ex-diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Para Duross, que trabalhou por 12 anos no Departamento de Justiça e supervisionou 17 casos como o da Odebrecht, a empresa precisa rever sua cultura interna, em que muitos executivos veem controles internos como os que estão sendo adotados agora como sinal de falta de confiança dentro da empresa.
“A confiança é um componente importante da cultura da empresa, mas provavelmente levou a algumas questões [os casos de corrupção] que discutimos hoje”, disse.
Nas conversas com os monitores, os executivos do grupo dizem que precisam manter a autonomia de suas diferentes áreas de negócios, mas os monitores temem que isso dificulte a adoção do sistema de controles internos adotados para prevenir e punir a prática de corrupção.
A Odebrecht controla dezenas de subsidiárias e contas offshore, o que torna a contabilidade do grupo opaca para observadores externos. Os monitores contrataram uma empresa de investigação forense para mapear a estrutura e rastrear transações que representem riscos. “É central controlar o fluxo do dinheiro”, disse Duross.
O monitoramento externo em casos de corrupção é comum nos Estados Unidos. No Brasil, a Embraer teve que aceitar a mesma imposição antes da Odebrecht neste ano, após fechar acordo com os EUA para encerrar uma investigação sobre corrupção.
O acordo da Odebrecht com a Lava Jato foi concluído em dezembro do ano passado, e os depoimentos dos seus executivos estão sendo analisados agora pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O acordo é considerado um passo essencial para o grupo conseguir voltar a fechar contratos com o setor público, receber crédito dos bancos e superar a grave crise financeira que atravessa desde que foi atingido pela Lava Jato.
DE SÃO PAULO
O advogado americano Charles Duross e o brasileiro Otavio Yazbek foram escolhidos no início do ano para atuar como monitores da Odebrecht. Em entrevista à Folha, eles falaram sobre o que já aprenderam sobre a empresa. Folha - Qual a primeira impressão sobre a Odebrecht?
Charles Duross - Existem boas pessoas na companhia, dedicadas e apaixonadas pelo que fazem, mas nosso trabalho não é confiar, é verificar. O que mais preocupa?
Otavio Yazbek - Um tema com que vamos lidar é a descentralização da tomada de decisões dentro da empresa. Dá para entender que seja importante para o modelo de negócios, para empoderar executivos, mas pode afetar a capacidade da empresa de criar um programa de compliance [controles internos] efetivo. Às vezes é preciso um controle central sobre as transações financeiras para reduzir a opacidade da empresa.
Duross - Primeiro, é central controlar o fluxo do dinheiro. Segundo, o programa de compliance é novo para a empresa. Nosso papel é criticar: quando fizerem um bom trabalho, diremos. Quando puderem fazer melhor, também. Executivos que admitiram crimes seguem na empresa. Sentem-se confortáveis com isso?
Duross - Há pessoas na organização que se envolveram em irregularidades. Vamos ficar de olho e avaliar. É um risco que não vamos ignorar.
Yazbek - Às vezes é necessário manter essas pessoas, porque sua saída pode gerar problemas para a companhia. Você precisa vigiar o que estão fazendo e talvez restringir suas possibilidades de atuação.