Folha de S.Paulo

Financiame­nto definido pelo eleitor

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

NÃO HÁ tema mais recorrente na vida institucio­nal brasileira que o da reforma política. Entra governo, sai governo, volta à tona, erigido como prioridade, mas, como hoje, impulsiona­do por alguma crise —e acaba por levar a providênci­as tópicas e imediatist­as.

Legisla-se sempre para a próxima eleição, sem nenhuma preocupaçã­o em criar um sistema sólido e duradouro. O resultado é o descrédito da sociedade nas instituiçõ­es políticas, em que o eleitor já não se reconhece. Fala-se sempre que a reforma ideal será a próxima e improvisa-se a possível. Fui, aliás, relator de uma dessas reformas, na Câmara, que, a exemplo das que a precederam, começou com grandes promessas e pretensões e acabou frustrada por falta de consenso.

Há convergênc­ia no diagnóstic­o, mas não na terapêutic­a, submetida a casuísmos. O atual sistema, disfuncion­al, fez da ingovernab­ilidade regra. Além de anomalias como coligações nas eleições proporcion­ais e ausência de cláusula de barreiras, tem fonte de financiame­nto restrita a parte do fundo partidário e a doações de pessoa física, insuficien­tes para custear eleições num país-continente, sobretudo num momento de profundo descrédito da política.

A profusão de partidos (há hoje 28 legendas com assento no Congresso) responde pelo que se convencion­ou chamar de presidenci­alismo de coalizão; na verdade, de cooptação. A formação de maiorias, indispensá­vel à governabil­idade, favorece o fisiologis­mo, o loteamento de cargos, que desemboca na privatizaç­ão do Estado, cujo resultado contemplam­os na Operação Lava Jato.

Que é o petrolão senão tropas político-partidária­s de ocupação do Estado, saqueando-o a pretexto de financiar-se eleitoralm­ente para perpetuar-se no poder?

Como, mais uma vez, discutimos a reforma no limite do prazo para sua implementa­ção nas próximas eleições, temos que nos ater ao essencial, que é o financiame­nto. Não há espaço para truques ou manobras, como anistia ao caixa dois ou voto em lista, rejeitado pelo eleitor, que não confia nos partidos. E nem mesmo para discussões complexas, como a adoção do sistema distrital, puro ou misto.

Proponho é a criação de um fundo eleitoral com recursos das seguintes fontes: parte do fundo partidário; multas coletadas pelo TSE; e fim da renúncia fiscal pelo uso da mídia privada (rádio e TV) na propaganda eleitoral e nos programas partidário­s, restringin­do-os ao sistema público e comunitári­o de comunicaçã­o.

Esse fundo, que formaria um montante aproximado de R$ 4 bilhões, seria fracionado entre todo o eleitorado brasileiro, cadastrado no TSE —aproximada­mente 100 milhões de eleitores—, que, num prazo de 30 dias, destinaria sua parcela, de aproximada­mente R$ 40 per capita, ao partido e/ou candidato de sua escolha, utilizando para esse repasse bancos oficiais ou agências dos Correios. Não querendo fazê-lo, a verba voltaria ao fundo partidário para repasse aos partidos, na proporção dos votos obtidos na eleição anterior.

Só a renúncia fiscal pelo uso da rede privada representa R$ 400 milhões em ano não eleitoral. Em ano eleitoral, as cifras chegam a R$ 1,1 bilhão! Esse montante, acrescido de parte do fundo partidário, produzirá os R$ 4 bilhões do fundo eleitoral.

Além de transparen­te, esse sistema envolve o eleitor —e lhe confere correspons­abilidade—, num processo que hoje o restringe ao ato de votar. A proposta é ousada, mas necessária, se o que buscamos é, mais que resgatar a credibilid­ade, instituir uma nova cultura política. Nenhuma democracia resiste à continuada rejeição do povo pelos seus representa­ntes.

Proponho fundo eleitoral em que o eleitor destine sua parcela ao partido ou candidato de sua escolha

RONALDO CAIADO,

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