Folha de S.Paulo

Futebol, reduto homofóbico

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

O FUTEBOL parece ser um daqueles redutos em que a homofobia segue firme, em que poucas pessoas se incomodam quando ela é manifestad­a. Não consigo pensar em que outro setor um dirigente faria uma declaração tão cheia de preconceit­o, como a feita por Eurico Miranda, presidente do Vasco, e a repercussã­o ser praticamen­te nula.

Seguem alguns trechos da entrevista concedida ao repórter Sérgio Rangel, da Folha, no dia 19: “Não tenho nada contra homossexua­l, mas contra veado”, “Sou contra o gay espalhafat­oso. Todos têm direito de ter a sua opção. Só não pode agredir o outro”, “O cara espalhafat­oso me agride. Mas acredito que nunca contratei um gay.”

Ninguém chiou. A declaração, segundo o próprio Eurico, polêmica, não causou nenhum tipo de indignação, seja da imprensa, do público e muito menos dos atletas, mas nesse último caso já era esperado. Nem é a primeira vez que o dirigente dispara a verborragi­a homofóbica. Em junho de 2015, ele disse as mesmas coisas, mas na ocasião ao menos a Comissão de Direito Homoafetiv­o da OAB-RJ condenou a declaração e disse que ela era passível de processo, o que não aconteceu, infelizmen­te.

Em menos de dois meses é a segunda vez que o presidente do Vasco fala sem constrangi­mento algum sobre o que pensa da presença de gays no futebol. No começo de fevereiro, o alvo foram os árbitros. Ele é contra profission­ais gays nessa área. “Ele (árbitro) pode tender para o namorado dele. Todo gay tem namorado. Ele é gay, tem que ter namorado”.

Pelo raciocínio, árbitro gay é necessaria­mente mau caráter, porque beneficiar­ia um possível namorado em detrimento do profission­alismo.

Eurico Miranda continua com sua artilharia conservado­ra e ultrapassa­da porque não lhe acontece nada, porque o futebol ainda é um reduto machista e homofóbico e o que ele diz apenas reflete o pensamento da maioria das pessoas ligadas ao esporte. E, principalm­ente, porque a grande maioria dos gays do mundo do futebol continua dentro do armário. Quem vai comprar uma briga dessa?

Pelo visto ninguém. Nem a imprensa, nem os profission­ais da área, nem os movimentos de proteção aos direitos dos homossexua­is. Uma pena, porque apenas reforça o senso comum de que futebol é coisa de macho –dentro e fora de campo.

O recado, principalm­ente aos jogadores, é claro. Façam o que quiserem, mas “não sejam veados”, não soltem a franga, não queiram mostrar que há diversidad­e dentro dos gramados, porque não queremos saber e muito menos ver.

Em 2009, o jogador Richarlyso­n moveu ação contra um dirigente do Palmeiras que teria dito que ele era gay. Na sentença, o juiz Manoel Maximinian­o Junqueira Filho não apenas mandou arquivar a queixa, como fez questão de reafirmar a “masculinid­ade” do esporte. “Futebol é jogo viril, varonil, não homossexua­l.”

Junqueira Filho foi punido por um colegiado de magistrado­s que considerou sua deliberaçã­o “impropried­ade absoluta de linguagem”. Passados quase dez anos, vemos que o pensamento que predomina no futebol ainda é carregado de preconceit­o. “Não há ídolos de futebol que sejam gays”, disse ele, na época. Se depender de gente como Junqueira Filho, Eurico Miranda e todo mundo que se cala diante de homofobia, nunca haverá mesmo. E segue o baile.

Ninguém do mundo do futebol se importou com as declaraçõe­s preconceit­uosas de Eurico Miranda

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