CRÍTICA Fiel ao realismo, autora aponta para o futuro
Ao preferir a tradição a recursos pós-modernos, canadense Alice Munro se mostra extremamente contemporânea
FOLHA
Os contos da escritora canadense Alice Munro, que sempre foram vistos como filiados a uma tradição que remonta a Tchékhov e ao século 19, podem hoje ser lidos como mais contemporâneos do que os de nossos contemporâneos mais radicais.
Na esteira do Nobel de 2013, o lançamento no Brasil de um de seus primeiros livros, “O Progresso do Amor”, de 1985, reforça essa ideia.
Noscontosdessacoletânea não se encontra aquilo que o ensaísta argentino Ricardo Piglia (1941-2017) dizia ser a marca do gênero: textos que articulam duas histórias, uma à mostra, outra oculta, o “que nos permite ver, sob a superfícieopacadavida,uma verdade secreta”.
Em Alice Munro não há segredo que não possa ser dito. As elipses não guardam mistérios. Não há ênfase na ideia de que o enredo possa favorecer a compreensão de uma história. Nem mesmo a sugestão de que exista uma verdade que sobreponha ou que contenha outra.
A formulação de Piglia parecia muita acertada em um mundo de certezas científicas, religiosas ou políticas que não davam conta de explicar o mistério da experiência humana.
Não é mais esse o mundo que habitamos. Neste início de século da pós-verdade, a história secreta, o oculto, não é onde se esconde a verdade. É antes um recurso para ge- rar incerteza e confusão. E é aí que Munro não cai, para onde não quer que vá o seu leitor, a sua leitora. PISTA FALSA No conto que dá título ao livro, por exemplo, a narradora recorda uma suposta tentativa de suicídio da mãe. Durante um jantar, a tia e a mãe contam histórias antagônicas sobre o incidente.
A narradora, então, pensa: “Por que a versão de Beryl do mesmo acontecimento seria diferente da versão da minha mãe? […] Foi a versão da minha mãe que se susteve, por um tempo. Ela absorvia a história