Folha de S.Paulo

O Brasil apodreceu

- CLÓVIS ROSSI

OLHE-SE PARA onde se olhe, o Brasil está podre.

A primeira sensação, ao me sentar para preparar este texto, era a de que a podridão dizia respeito ao Estado brasileiro. Quando quem deveria zelar pelo bom uso do dinheiro público (no caso, o Tribunal de Contas do Rio de Janeiro) não consegue nem sequer se reunir porque cinco de seus sete integrante­s estão presos, parece piada pronta. Mas não é piada, é tragédia. Mais: não é tragédia localizada. Para ficar só no noticiário da sextafeira (31), o Painel desta Folha informa que, na sua delação premiada, a construtor­a Andrade Gutierrez diz ter subornado sete integrante­s do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Nada surpreende­nte quando se lembra que a Suíça, por exemplo, já mandou para a Justiça brasileira provas de corrupção de um conselheir­o do TCE-SP, Robson Marinho, afastado há algum tempo.

Por falar em Andrade Gutierrez, seu presidente, Ricardo Sena, é mais um dos empresário de grosso calibre a confessar: “Fomos apanhados pelados no meio da rua”, disse à Folha.

Parece uma frase simpática e irônica, não fosse o fato de que “pelados”, no caso, quer dizer que a empresa, como tantas outras do ramo, foi apanhada roubando.

Ou cometendo “práticas impróprias”, na novilíngua inventada pela Odebrecht para não escrever delinquir. É a clara demonstraç­ão que não é apenas o Estado que está podre, mas também parte importante do setor privado.

O que se faz? Chama a polícia? No Rio, chamaram, e dois PMs se transforma­ram em pelotão de fuzilament­o e mataram dois suspeitos caídos e já desarmados.

O que se faz? Chama o tal de povo para a rua para protestar?

Chamaram, foram, e a bandidagem aproveitou a confusão para armar um arrastão e roubar os ocupantes dos carros parados em meio ao tumulto.

No Brasil, fica-se com a sensação de que até o GPS, uma das maravilhas da tecnologia moderna, está podre. Tanto está que, conduzida por ele, uma turista argentina foi levada por engano a uma favela. Atacada, morreu no hospital.

É tamanha a lesão provocada no corpo social pela degradação da pátria que até pessoas do bem, como Luiz Carlos Bresser Pereira, caem num equívoco de defender leniência para com as empreiteir­as, aquelas tais apanhadas “peladas no meio da rua”.

O argumento é o de que, se não deixarem as empreiteir­as em paz, a economia não se recuperará.

É a confissão implícita de que o Brasil só vai caminhar se for conivente ou, no mínimo, tolerante com a podridão que o invade por todos os lados.

O que fazem, então, os políticos, eles também “pelados no meio da rua”? Dão força às investigaç­ões para tentar despoluir o ambiente? Não, vão para cima dos investigad­ores, para fornecer roupa (impunidade) para os “pelados”.

Partem para a conversa fiada de que é preciso “evitar abuso de autoridade”. Claro que é, isso é o óbvio ululante. Mas estão de pé todos os instrument­os para tanto.

O que falta é evitar o avanço da podridão, mas pouca gente se importa com os que não ficaram pelados no meio da rua.

Aumentam a cada dia os ‘apanhados pelados no meio da rua’; e ainda há os que têm peninha deles

crossi@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil