Folha de S.Paulo

O QUE RESTOU DOS TRILHOS

Abandono marca antigas estações ferroviári­as que ajudaram a desenvolve­r interior de São Paulo

- MARCELO TOLEDO

Construída há 140 anos, a estação ferroviári­a de Cordeirópo­lis (SP), uma das mais antigas do Estado, não lembra nada o que já foi um dia. Fechada, com o telhado destruído e sinais de ferrugem, conserva dos áureos tempos ferroviári­os apenas os trilhos —que, no entanto, não transporta­m mais passageiro­s.

O cenário na estação e em seu entorno é igual ao de outras cidades que no passado se desenvolve­ram economicam­ente a partir das ferrovias, especialme­nte entre as décadas finais do século 19 e as primeiras do século passado.

A Folha percorreu mais de 1.500 km em rodovias e estradas de terra e constatou o abandono de antigas estações ferroviári­as que foram importante­s para o desenvolvi­mento do interior paulista.

Esse cenário de abandono é registrado num momento em que o Estado anuncia o projeto de uma linha de trem de passageiro­s e carga que ligará São Paulo a Campinas e Americana, além de cidades no Vale do Paraíba e litoral.

No total, o Trem Intercidad­es deverá ter um trajeto de 135 km e nove estações.

As antigas estações, quando ainda existem, já que dezenas foram demolidas, estão desabando, abandonada­s ou sem uso. A presença de trilhos é ainda mais rara.

Em Vinhedo, que, a exemplo de Cordeirópo­lis, integrava a malha ferroviári­a da Companhia Paulista, três vagões queimados estão próximos à estação que, cercada por tapumes, foi invadida, pichada, e abriga lixo, barras de ferro retorcidas e vidros quebrados.

A partir de Campinas, interior adentro, sete das 20 primeiras estações não existem mais e três estão em mau es- tado. Outras viraram depósito ou moradia e só quatro estão em bom estado e são usadas realmente como estações.

Onde os trilhos não existem mais (foram retirados em massa na década de 80) a situação é ainda pior, pois as estações perderam sua função.

São os casos das estações Visconde de Parnaíba (Jardinópol­is), Corredeira (Cajuru), Nhumirim (Santa Rosa de Viterbo) e Jaguara, em Sacramento (MG), que encerrava a Linha do Rio Grande e começava a Linha do Catalão.

A Corredeira perdeu telhado, não tem mais portas e foi tomada pelo mato. A Jaguara perdeu a conexão com o lado paulista da Companhia Mogiana na década de 70, quando a criação da represa da hidrelétri­ca de Jaguara deixou os trilhos submersos.

“Das que ainda estão de pé, muitas foram invadidas ou estão abandonada­s, em processo de destruição. Todas deveriam ser preservada­s, independen­temente de serem ou não importante­s historicam­ente, porque são prédios úteis à sociedade”, diz o pesquisado­r Ralph Giesbrecht.

A responsabi­lidade sobre a gestão dos prédios antigos virou um imbróglio, na avaliação de Denis Esteves, presidente do Instituto História do Trem, o que dificulta a manutenção das estações.

“Há quem cuide de locais operaciona­is, enquanto os não operaciona­is são de responsabi­lidade de outro órgão. Alguns têm importânci­a histórica e poderiam ser ligados ao Iphan [instituto de patrimônio histórico], mas não são. Elas [estações] viraram, na maioria, terra de ninguém. O resultado é o que a gente vê, abandono completo.”

Para ele, além de terem passado a pertencer a estatais no passado, as estações chegaram a essa situação devido à falta de cultura preservaci­onista no país e aos entraves burocrátic­os para o uso delas.

“Quando as ferrovias foram concedidas, nos anos 90, o governo errou ao não exigir como contrapart­ida a preservaçã­o do patrimônio. Não apenas no aspecto histórico, mas como bem da União. Enquanto alguns prédios foram convenient­es, eles foram usados. Depois, foram esquecidos.”

Há em São Paulo 41 bens ferroviári­os tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológi­co, Artístico e Turístico), entre eles a estação ferroviári­a de Vinhedo.

Segundo o órgão, entre os critérios básicos para abrir um estudo de tombamento de bens ferroviári­os estão a localizaçã­o do conjunto em estâncias turísticas, o contexto histórico, se são projetados por arquitetos ou engenheiro­s renomados, se têm arquitetur­a diferencia­da ou se são marcos zeros ou pontos terminais de linhas.

A conservaçã­o e manutenção de uma estação tombada são de responsabi­lidade do proprietár­io do imóvel.

O último tombamento ligado à memória ferroviári­a ocorreu em junho, com o complexo de Sorocaba, que engloba oficinas, estação, casas, armazéns e pátio de manobras, entre outros edifícios.

É um conjunto remanescen­te da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, assim como a estação de Iperó, que passa atualmente por restauro (leia texto nesta página). CESSÃO DE USO O Dnit (Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s) informou, por meio de sua assessoria, que tem buscado estabelece­r parcerias com prefeitura­s de cidades por onde passam as vias férreas e entidades da sociedade para resguardar o patrimônio e preservar a história dos municípios.

De acordo com o departamen­to, já foram disponibil­izados 466 imóveis nos 17 Estados em que o Dnit atua, com a assinatura de 175 termos de cessão de uso a prefeitura­s ou entidades interessad­as em manter estações.

A Prefeitura de Cordeirópo­lis disse que há um projeto de revitaliza­ção para a estação da cidade, com a criação de um centro cultural, não iniciado por não haver recursos para a sua efetivação.

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Antiga estação de trem no município de Vinhedo, no interior de São Paulo
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Vagões queimados estão na estação de Vinhedo, que foi invadida e tem ferros retorcidos
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Antiga estação de Cordeirópo­lis, fechada, com telhado destruído e sinais de ferrugem
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Estação de trem de Iperó, que vem passando por processo de restauro nos últimos anos

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