Folha de S.Paulo

Frutos da inteligênc­ia

- MARCELO LEITE

O LEITOR com certeza já topou com explicaçõe­s para a inteligênc­ia dos primatas com base na hipótese do cérebro social. Por ela, a quantidade de massa cinzenta evoluiu de passo com a complexida­de da vida social.

Um novo estudo, porém, vem colocar um grão de sal nessa teoria edulcorada. Alex DeCasien, Scott Williams e James Higham, da Universida­de de Nova York, acreditam que a chave está na dieta.

Não resta dúvida de que uma pessoa (ou um macaco) com maior capacidade de observação e de processar informaçõe­s se dará melhor navegando na teia de favores e intrigas que compõe as sociedades primatas. Humanos que o digam, com tanta fofoca entre eles, agora amplificad­a pelas redes sociais.

Embora aceita por muitos, a hipótese não contava com forte apoio quantitati­vo. DeCasien e colegas partiram para testá-la com medições numa amostra grande de espécies (142), o triplo da quantidade de macacos reunida nos maiores estudos até então publicados.

Eles levantaram e tabularam três tipos de dado: tamanho do cérebro, tamanho médio dos grupos —como indicador de complexida­de social— e elemento dominante na dieta. Na análise estatístic­a, verificara­m que não há correlação entre o volume dos miolos e o número de integrante­s do bando de animais.

Encontrara­m, por outro lado, uma forte associação entre alimentaçã­o baseada em frutas e cérebros maiores, na comparação direta com primatas que se nutrem principalm­ente de folhas. É o caso, entre outros, do cotejo entre macacos-aranha (frugívoros do gênero Ateles) e bugios (folífagos do gênero Alouatta).

Seriam duas as razões evolutivas para a dieta de frutas favorecer complexida­de cerebral. Primeiro, como encontrar frutas é mais difícil que topar com folhas, os primatas que dependem delas precisam exigir mais da memória e da capacidade de discrimina­ção e navegação.

Além disso, frutos superam folhas no aspecto nutritivo. Contêm mais energia, o que permite sustentar as necessidad­es de consumo nos cérebros maiores.

A pesquisa de DeCasien, publicada na “Nature Ecology and Evolution” (go.nature.com/2o62iCn), dá uma boa balançada na hipótese dominante, mas não chega a deitá-la por terra. Como aponta na mesma revista Chris Venditti, da Universida­de de Reading (Reino Unido), as medidas utilizadas estão sujeitas a certa controvérs­ia.

Tamanho do cérebro, para começar, talvez não seja um bom sucedâneo para medir inteligênc­ia. Seria preferível trabalhar com a parte do órgão mais diretament­e associada com capacidade­s cognitivas, o córtex cerebral (fina camada externa de células nervosas, que nos humanos costuma ter de 2 mm a 4 mm), mas essas informaçõe­s não são tão simples de reunir.

Outro defeito está em tomar o porte do grupo como indicador de complexida­de social. Entre chimpanzés, objeta Venditti, bandos podem ter de 2 a 20 dezenas de animais.

Se a quantidade varia tanto numa única espécie, como extrair conclusões firmes da dispersão amostrada entre várias? Além disso, o tamanho do grupo não tem relação necessária com a quantidade de interações em seu interior.

Pode-se concluir, no entanto, que o engenhoso estudo de DeCasien já deu frutos: indica novos caminhos para continuar investigan­do as fontes evolutivas da inteligênc­ia.

Dieta frugívora, e não a vida social complexa, explicaria por que primatas evoluíram no sentido da cognição

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