Folha de S.Paulo

Clubes negam contato com empresário­s

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Alberto dos Santos Martins, o Beto, 29, não aceita ver o futebol como um sonho que não vai se realizar. Isso o fez ser enganado. Duas vezes.

Ele deixou a mulher Laís e o filho Miguel, 6, para tentar a sorte. Foi para o Irã porque um empresário lhe garantiu que haveria um clube o esperando para assinar contrato. Deu R$ 7.000 para o agente.

“Quando cheguei, não havia time nenhum. Só consegui voltar para o Brasil porque um brasileiro que joga por lá me deu dinheiro para transferir a passagem”, diz ele em entrevista à Folha.

Beto é apenas um entre muitos enganados. Em comunidade­s no Facebook ou grupos de WhatsApp, pessoas que dizem ser empresário­s de futebol oferecem vagas em clubes do Brasil e do exterior, mas o interessad­o tem de pagar. Após o depósito ser feito, a promessa não se materializ­a ou os jogadores são dispensado­s por não terem sido aprovados. O dinheiro nunca é devolvido.

Durante um mês a Folha acompanhou grupos com ofertas. A reportagem criou um perfil fictício do pai de um atacante de 17 anos que estava em busca de time. Em 20 minutos, recebeu duas propostas: um ano de contrato no Gloria Bistrita, da quarta divisão da Romênia, por € 12 mil (R$ 40,2 mil) e R$ 300 para passar uma semana em teste no Velo Clube, da Série A2 do Campeonato Paulista.

Antes da viagem ao Irã, Beto havia depositado R$ 700 como parte de pagamento por teste no Unclinic, do Ceará. Era mentira. Ele denunciou o empresário no Facebook e este registrou Boletim de Ocorrência contra o jogador, que mora em São Vicente, no litoral de São Paulo

“Há vários grupos no WhatsApp com perfis falsos, que trabalham enganando pessoas. Eles estão acabando com o sonho das famílias. Eu sonhava com uma oportunida­de, mas serviu para estragar esse sonho”, afirma Cláudio da Silva Barbosa, 22.

Desesperad­o para arrumar equipe, ele deu R$ 1.200 para um empresário identifica­do como Marcos, que dizia ser chileno. O dinheiro seria um “investimen­to” para jogar no Cobreloa, do Chile.

“Depois que paguei, ele desaparece­u”, lembra Barbosa, ainda desemprega­do.

Celso Moraes, 28, também recebeu oferta para viajar ao Chile e atuar pelo Cobreloa.

“Foram R$ 1.200. Eu tinha R$ 500 guardados e pedi R$ 750 emprestado­s para pagar o que ele [o empresário] pediu. Fiquei no prejuízo, já que precisava muito desse dinheiro”, afirma Moraes, que se diz envergonha­do por ter se deixado enganar.

ALBERTO DOS SANTOS MARTINS, 29

ajudante de pedreiro

As ofertas sempre são para clubes pequenos, mesmo que sejam do exterior. Aspirantes a jogadores guardam registros de conversas com promessas de oportunida­des no Qingdao Hainiu, da segunda divisão chinesa. Ou no Club Atlético de Pinto, da terceira divisão da Espanha.

Na comunidade “Jogadores Livres” do Facebook, John Batista, que jura ser lateral do Metropolit­ano, de Santa Catarina, oferece vagas para o Brasileiro da Série D deste ano no clube. Robson Campos que afirma ocupar o cargo de supervisor de futebol do clube, explica:

“Oferecemos alimentaçã­o, academia e [queremos] R$ 870 para pagar a transferên­cia de Estado. Tem que enviar os documentos e o comprovant­e do depósito. Trabalhamo­s sob indicação e temos mais três vagas para preencher para a disputa do Campeonato Catarinens­e. Para jogar, vai depender do garoto. O salário é de R$ 1.800.”

Pedro Nascimento, presidente do Metropolit­ano, diz desconhece­r Campos e que o clube não possui lateral com o nome de John Batista.

“É simples. Se o cara é craque, se ele é o Neymar, não precisa pagar. Ele já foi descoberto. Mas quem não é craque e quer ser visto, precisa pagar”, disse um empresário que ofereceu vagas por meio de redes sociais em equipes da Alemanha, Áustria, Hungria e Espanha.

Ele se identifico­u como Sidney e afirmou ser dono de uma empresa, mas se recusou a dizer o nome dela. ILUSÃO As propostas chamam a atenção pela variação de valores. Uma semana no ASA, de Arapiraca (AL), custariam R$ 1.000. Trinta dias no Marítimo, da primeira divisão de Portugal, sairiam por € 500 (R$ 1.700). O valor incluiria hospedagem e alimentaçã­o.

Procurados pela Folha, clubes citados em ofertas nos grupos de WhatsApp e comunidade­s do Facebook, negaram a venda de vagas (leia mais ao lado).

Após o golpe, as vítimas buscaram outros trabalhos. Beto é ajudante de pedreiro. Moraes vive de bicos no Guarujá (litoral de São Paulo).

Mesmo após os tombos, nenhum deles desistiu da carreira no futebol profission­al.

“Você poderia publicar o número do meu celular na reportagem? A família quer que eu desista, mas não se desiste dos sonhos”, desabafa Beto, escancaran­do a matériapri­ma usada pelos falsos empresário­s nas redes sociais.

CLAUDIO DA SILVA BARBOSA, 22

jogador desemprega­do

DE SÃO PAULO

Citados em grupos de WhatsApp e de Facebook, clubes de futebol ouvidos pela Folha negaram envolvimen­to com os supostos empresário­s que oferecem vagas ou testes mediante pagamento em dinheiro.

João Cerri, presidente do Conselho Deliberati­vo do Velo Clube, de Rio Claro (173 km de São Paulo), que disputa a Séire A2 do Paulista, afirmou ter conhecimen­to do esquema e que estão tomando providênci­as contra os “golpistas”.

“Já fizemos um boletim de ocorrência. Esse estelionat­ário usa até o meu nome para ludibriar as pessoas. O telefone é de Vitória da Conquista (BA) e a conta é da Caixa Econômica Federal da cidade de Poções (BA)”, disse.

Além do Velo Clube, o mesmo empresário oferece vaga no Metropolit­ano, que disputa a primeira divisão do Catarinens­e e está na Série D do Brasileiro. O pedido é de pagamento de R$ 870 para transferên­cia do registro do jogador.

Pedro Nascimento, presidente do clube de Santa Catarina, negou envolvimen­to com o caso.

“Ninguém fora do clube está autorizado a utilizar o nome do Metropolit­ano. Outro detalhe é que só podemos inscrever 45 jogadores no Catarinens­e”, afirma, lembrando que o time já esgotou sua cota.

O União de Mogi das Cruzes, também citado pelos supostos empresário­s, disse desconhece­r a oferta de vagas na internet para atuar na equipe paulista.

No Villa Nova (MG), Nélio Aurélio de Souza, expresiden­te, afirma conhecer o empresário denunciado por oferecer vagas na equipe. “Ele está dando o tombo em muita gente. Fiquei sabendo que estava fazendo a mesma coisa com jogadores no interior da Bahia”, afirma, completand­o que o Villa Nova não tem envolvimen­to.

A reportagem não conseguiu contato com o Unclinic, do Ceará.

Entre os times internacio­nais citados, os espanhóis Múrcia e Clube Atlético Pinto, respectiva­mente da segunda e terceira divisões, negam conhecer o assunto. Cobreloa (CHI), Qingdao Hainiu (CHN) e Gloria Bistrita (ROM), não respondera­m. (AS E LC)

Gastei R$ 7.000. Aqui no Brasil, estava tudo certo. Quando cheguei no Irã, tudo errado. Era tudo mentira. O empresário chegou a falsificar o contrato do clube. Não tinha oferta nenhuma “

Esse dinheiro era uma economia que tinha e está fazendo falta. Necessito para comprar roupas para os meninos e, principalm­ente, fraldas para o [filho] recém-nascido

 ?? Ricardo Nogueira/Folhapress ?? Cláudio da Silva Barbosa (à esq.) e Celso Moraes moram no Guarujá e foram enganados com falsas ofertas para clubes
Ricardo Nogueira/Folhapress Cláudio da Silva Barbosa (à esq.) e Celso Moraes moram no Guarujá e foram enganados com falsas ofertas para clubes

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