Folha de S.Paulo

Normalment­e proibido nos acampament­os,

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mulheres —e elas pegam em armas, lutam, carregam peso. Só não podem engravidar. Os dois únicos bebês no local, segundo ele, nasceram após o início do processo de paz.

Morais também lembra as condições espartanas: além de não haver eletricida­de nem água encanada, a alimentaçã­o é modesta. Mas há muitas armas, diz ele. “O almoço era um caldo de batatas e um ovo, e eles comiam com um fuzil AK-47 em cima da mesa.” O grupo tinha também rifles AR-15 e AR-16, metralhado­ras e lançadores de granada, segundo Morais.

Pelo acordo de paz, as armas estão sendo entregues aos poucos. A ONU diz já ter registrado 85% do armamento. “Eles têm medo de entregar tudo de uma vez e serem massacrado­s. E nem é medo do exército colombiano, mas das organizaçõ­es paramilita­res de extrema-direita.” O álcool, foi permitido na véspera da saída da floresta. “Eles assaram um boi e um cabrito e fizeram uma apresentaç­ão, começaram a dançar. Acho que o processo de paz é um monumental alívio para todo mundo”, avalia Morais.

“Um rapaz de uma família de nove irmãos, em que todos foram para a guerrilha, deu a melhor descrição da guerra nos últimos anos. Ele me disse: ‘isso aqui virou um intercâmbi­o de cadáveres. Eles vêm e matam dez, a gente vai e mata 20. Quando ia parar?’.” Uma comissão do governo colombiano estima que cerca de 220 mil pessoas morreram ao longo do conflito; a maioria (82%) civis.

No acampament­o, Morais entrevisto­u o comandante Carlos Losada, que há 38 anos mora na selva. Ele já havia conversado com o líder da força revolucion­ária, Timoleón Jiménez, o Timochenko, em Havana (Cuba). “Não fizeram restrição, foi jornalismo. Pude perguntar de tudo. Inclusive perguntei sobre as liga-

“Parte já tem uma formação de base informal. Eles têm aula de filosofia, pedagogia. Têm ‘médicos’ e, apesar da precarieda­de, todos têm os dentes perfeitos”, diz Maurício, mostrando mais fotos.

No último dia, em que ocorria a festa de despedida, Morais sentiu dor nas costas e pediu para um médico dos guerrilhei­ros ajudá-lo. “Fiquei impression­ado com o profission­alismo. Ele me disse que tinha bebido e por isso não podia me atender. Avisou que viria no dia seguinte.”

O escritor exibe cenas gravadas com uma guerrilhei­ra que ficou três dias com a perna pendurada ao corpo após um ferimento e recebeu atendiment­o. De batom, unhas feitas, brincos e colares, ela levanta a calça e mostra a cicatriz enorme.

“Eu tinha andado com ela por lá, mas não vi a cicatriz. Ela também não manca. Se você cruzasse com ela no shopping jamais imaginaria que essa menina ficou a vida toda na guerra. Nunca pisou num centro urbano, nunca sentou numa privada. Eles não sabem o que é dinheiro. Vai ser um choque quando forem para a cidade.”

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