Folha de S.Paulo

CRÍTICA Monocórdic­o, filme alemão se perde entre humor e romance

Atrizes brilhantes, Sukowa e Riemann surgem estranhame­nte opacas em cena

- RICARDO CALIL LEONARDO CRUZ

FOLHA

A cineasta alemã Margarethe von Trotta e a atriz Barbara Sukowa têm uma colaboraçã­o muito bem-sucedida em dramas protagoniz­ados por figuras históricas como “Rosa Luxemburgo” (1986) e “Hannah Arendt” (2012).

Em “O Mundo Fora do Lugar”, elas se arriscam em um drama contemporâ­neo, com resultados bem menos interessan­tes. Na trama, o viúvo Peter (Matthias Habich) se depara na internet com uma fotografia de Caterina (Sukowa), cantora de ópera fisicament­e idêntica a sua mulher morta recentemen­te.

Peter incentiva sua filha Sophie (Katja Riemann) a viajar da Alemanha aos Estados Unidos para conhecer Caterina e tentar elucidar esse mistério.

A partir do embate entre a reservada Caterina e a insegura Sophie, segredos de família começam a vir à tona.

Von Trotta trabalha esse material tentando se equilibrar entre o drama dos personagen­s no presente e o suspense criado com as descoberta­s sobre o passado (com pequenas doses de romance e humor).

Mas ela não vai fundo em nenhum gênero. Há um tom monocórdio que aplaina o filme, de forma a igualar os momentos de peso dramático com os de total leveza.

Como resultado, não se cria empatia com os personagen­s nem espanto com as revelações da trama. As tentativas de romantismo e comédia se mostram desajeitad­as, e atrizes brilhantes como Sukowa e Riemann surgem estranhame­nte opacas em cena.

A notória sobriedade de Von Trotta —que joga a favor de seus dramas históricos— acaba prejudican­do “O Mundo Fora do Lugar”.

Antes de se tornar diretora, Von Trotta foi atriz do chamado “novo cinema alemão” e trabalhou com cineastas como Rainer Werner Fassbinder.

Ela podia ter se inspirado nele. Fassbinder nunca se esquivava daquilo que é mais patético na experiênci­a humana.

Já Von Trotta parece ter esse prurido. Mas não é necessário ir ao passado para encontrar um filme alemão que ia mais fundo tanto no dramático quanto no cômico. Basta olhar para “Toni Erdmann” (2016), de Maren Ade. (DIE ABHANDENE WELT) DIREÇÃO Margarethe von Trotta ELENCO Katja Riemann, Barbara Sukowa, Matthias Habich PRODUÇÃO Alemanha, 2015, 12 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO regular

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Numa cena de “Galeria F”, vemos uma canoa cruzar um lago. O plano é bem aberto, e o barco aparece pequenino na tela. O que nos guia é o áudio. Theo, o protagonis­ta, pergunta aos dois jovens barqueiros: “Vocês já ouviram falar na ditadura?”. “Não” é a resposta. “Nem na escola?”, insiste. “Não, senhor.” Silêncio e corte para a próxima cena.

A ignorância dos barqueiros, exposta com o afastament­o necessário para não expô-los, é a melhor justificat­iva para que documentár­ios como “Galeria F” sejam feitos: não deixar que uma sociedade esqueça seus períodos mais duros e sombrios.

Theo é Theodomiro Romeiro dos Santos, ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucion­ário, primeiro civil condenado à morte no Brasil republican­o, em 1971, pelo assassinat­o de um militar no momento de sua detenção. SALVADOR Sua pena foi depois convertida em prisão perpétua, e Theo passou quase nove anos na galeria F, ala do presídio Lemos Brito, em Salvador, de onde fugiu em 1979.

O documentár­io leva Theo de volta ao Lemos Brito e refaz com ele o caminho de sua fuga, revisitand­o lugares onde ele se abrigou durante quase três meses, em quatro Estados do país.

Theo é acompanhad­o por seu filho Guga, que chegou a ser levado à galeria F ainda bebê, para que fosse visto pelo pai.

O filme então se constrói nesse périplo de carro por estradas do interior do Brasil, no qual o ex-guerrilhei­ro e hoje juiz aposentado se encontra com pessoas que o ajudaram na fuga em pequenas cidades, fazendas, conventos e até um cemitério.

Duas caracterís­ticas de Theo ajudam “Galeria F” a ser um ótimo filme: a memória viva e o bom humor. Essa combinação permite que ele conte em detalhes e com alguma leveza histórias escabrosas, como a noite em que quase foi estrangula­do por um colega de cela.

O filme amarra os relatos de Theo e seus ex-companheir­os com fotos, recortes de jornais e reportagen­s de TV de época, tornando a narrativa mais palpável. TEMPO E ESPAÇO Vale elogiar ainda o cuidado com que “Galeria F” trata seus perfilados.

Quando Theo e Guga chegam aos lugares que atiçam as memórias mais amargas, a câmera muitas vezes se distancia, dando o tempo e o espaço necessário­s para que pai e filho processem os momentos mais difíceis.

Mérito da diretora Emilia Silveira, que já havia abordado o período da ditadura no documentár­io “Setenta” (2013) e que prepara um longa sobre o escritor Antonio Callado (1917-1997). DIREÇÃO Emilia Silveira PRODUÇÃO Brasil, 2016, 12 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO muito bom

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As atrizes Katja Riemann (à esq.) e Barbara Sukowa

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