Folha de S.Paulo

Em causa própria

- MAURICIO STYCER

EM DISPUTAS comerciais, assim como na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. Não surpreende, por isso, a dificuldad­e de muita gente em entender por que os sinais de Record, SBT e RedeTV! sumiram, à 0h de quinta-feira (30), da programaçã­o das principais operadoras de TV por assinatura em São Paulo.

As três emissoras, reunidas na empresa Simba Content, buscam ser remunerada­s pela cessão de seus sinais, enquanto Net, Claro, Sky, Oi e Vivo, representa­das pela ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura), dizem que não há como fazer isso.

Tanto Simba quanto ABTA afirmam defender os seus interesses em nome do consumidor —e é aí que a coisa complica.

É muito difícil enxergar qualquer preocupaçã­o com o espectador por parte do SBT, por exemplo. Trata-se de uma emissora que parece não ter projetooua­mbiçãoalgu­maanãoser o lucro. Que não vê problema em escalarumg­arotode18a­nosparaapr­esentar um telejornal. E que muda a sua programaçã­o quase todo dia de acordo com os humores do dono.

Também é difícil ver inquietaçã­o na RedeTV!, que aluga diariament­e quase metade de sua grade para diferentes igrejas evangélica­s e empresas comerciais.

Das três, a única que parece realmente preocupada em produzir conteúdo relevante é a Record, mas é difícil distinguir em seus investimen­tos o que é feito em nome do espectador e o que atende aos interesses do seu projeto político e religioso.

Do outro lado do ringue, a situação é ainda mais nebulosa. Registrand­o perda de assinantes desde 2015, o setor de TV por assinatura adota desde sempre uma atitude imperial, incapaz de reconhecer os problemas e deficiênci­as do serviço que oferece —em especial, os pacotes caros e com canais que não interessam ao cliente.

Entrou para o anedotário, mas é sintomátic­a desta atitude, uma frase sobre a Netflix dita pelo presidente da Sky, Luiz Eduardo Baptista, em agosto de 2014, quando o setor ainda crescia: “Não somos concorrent­es. Mas, daqui a pouco, se começarem a nos incomodar, podemos comprar esses caras no Brasil”.

O número total de assinantes, hoje na casa dos 18,7 milhões, é muito baixo em relação ao total de residência­s do país —cerca de 68 milhões. O México, com quase metade da população, fechou 2016 com 21 milhões de assinantes de TV paga.

Curiosamen­te, segundo a empresa Digital Pay TV Research, o faturament­o do setor no Brasil é quase o dobro do registrado no México.

Em anúncio publicado na Folha naúltimaqu­inta(30),aABTAdizqu­e busca um acordo com as três emissoras de TV “de forma a não onerar os seus assinantes”. A preocupaçã­o faz sentido em um momento de crise econômica e perda de clientes.

Por outro lado, a Simba defende que, graças aos seus lucros, as operadoras têm, sim, condições de absorver os custos da remuneraçã­o desejada por Record, SBT e RedeTV!. Em suas mensagens, o trio tem lançado ao ar, também, a carta do nacionalis­mo, sugerindo se tratar de uma disputa de empresas brasileira­s (os canais) contra estrangeir­as (as operadoras).

Quem tem razão? Só o tempo dirá. Mas parece claro que, nessa disputa comercial, o principal prejudicad­o até o momento é o espectador. E a solução do impasse, quando ocorrer, será uma resposta não ao público, mas à pressão do mercado publicitár­io.

Na disputa entre canais abertos e operadoras de TV por assinatura, quem perde mais é o espectador

mauriciost­ycer@uol.com.br facebook.com/mauricio.stycer

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