Folha de S.Paulo

O mercado que os pobres querem

- CELSO ROCHA DE BARROS

VALE PARAFRASEA­R a velha pichação evangélica: só os dados tiram o demônio das pessoas. A Fundação Perseu Abramo, “think-tank” ligado ao Partido dos Trabalhado­res, publicou uma pesquisa sobre “Percepções da Periferia” em que entrevisto­u 63 pessoas em São Paulo, selecionad­as por terem votado no PT durante o ciclo lulista e abandonado o partido nas eleições do ano passado.

Os resultados da pesquisa, amplamente divulgados na imprensa, mostraram um morador de periferia que valoriza o empreended­orismo e a iniciativa pessoal, que apoia programas sociais, mas espera, sobretudo, que políticas públicas lhes abram possibilid­ades que eles mesmo explorem como acharem melhor.

É especialme­nte interessan­te que os pesquisado­res tenham encontrado, entre os programas sociais petistas elogiados pelos entrevista­dos, destaque para o Prouni e o Fies, que possibilit­am o acesso de jovens pobres à universida­de. Sim, as universida­des que os pobres frequentam raramente lhes darão a chance de competir com quem estudou na USP. Mas só menospreza uma chance de vitória de 10% quem nunca teve chance zero.

Os resultados também confirmam a intuição de André Singer em sua análise do lulismo: os mais pobres são aversos a radicalism­os porque a desordem é especialme­nte perigosa para quem está a poucos passos do desastre. Propostas ousadas (mesmo as boas) implicam risco de perdas, e os pobres têm pouca margem para perder sem perder tudo.

Enfim, a pesquisa da Perseu Abramo é, sim, uma surra de pá em quem defende uma virada radical à esquerda no PT. Ninguém na periferia de São Paulo quer morar na Venezuela. Se for por conservado­rismo que os pobres não bebem o suficiente para apoiar o governo Maduro, palmas para o conservado­rismo. Talvez a direção do PT devesse começar a frequentar cultos evangélico­s.

Mas também seria errado interpreta­r os resultados da pesquisa da FPA como um endosso à desregulam­entação liberal. Quem assiste programas evangélico­s já viu gente agradecend­o a bênção de um processo ganho na Justiça. Estou disposto a apostar que foi trabalhist­a.

Com esses mesmos valores, os entrevista­dos pela FPA votaram no PT durante todos esses anos. O que fica claro é que votaram porque os programas do PT lhes ajudaram a se inserir na economia de mercado com mais poder de barganha, com mais possibilid­ades de sucesso, com uma rede de segurança que lhes facilita a administra­ção de riscos. E, sobretudo, porque lhes permitiu sonhar que seus filhos tenham ao menos alguma chance de brigar por prêmios maiores.

O Partido dos Trabalhado­res, que, por incrível que pareça à luz de seus documentos recentes, era governo quando esses programas bons foram implementa­dos, precisa beber um café forte, tomar um banho frio e retomar essa agenda.

E os adversário­s do PT precisam esclarecer, finalmente, o que têm para oferecer que aumente o poder de barganha, as possibilid­ades de sucesso e a rede de segurança dos brasileiro­s de baixa renda. A terceiriza­ção sem limite recém-aprovada, por exemplo, vai exatamente na direção oposta. Vamos esperar que as reformas em curso não destruam a reputação do mercado junto aos pobres, construída depois de tantos anos do que Amartya Sen chamaria de redistribu­ição de liberdades.

Ninguém na periferia de SP quer morar na Venezuela; talvez o PT devesse ir a cultos evangélico­s

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