Folha de S.Paulo

De Baker a Tillerson, no Kremlin

- JAIME SPITZCOVSK­Y

A 9 de fevereiro de 1990, o secretário de Estado dos EUA, James Baker adentrava o Kremlin, para se reunir com Mikhail Gorbatchev, presidente da URSS. A queda do Muro de Berlim, ocorrida três meses antes, ditava a agenda, centrada na reunificaç­ão alemã e na arquitetur­a da segurança europeia pós-Guerra Fria.

Gorbatchev, para engolir a pílula de uma Alemanha reunificad­a e ancorada na aliança com Washington, buscava limites à expansão, na Europa oriental, da Otan, aliança militar liderada pelos EUA. Baker teria sido ambíguo em respostas ao dirigente soviético.

Anos depois, países vizinhos à Rússia, como Polônia e Lituânia, aderiam à confraria militar norteameri­cana. Moscou reclama de promessas rompidas. Washington argumenta jamais ter firmado acordo sobre o tema.

“Durante a atividade diplomátic­a envolvendo a reunificaç­ão alemã em 1990, os Estados Unidos repetidame­nte ofereceram à União Soviética garantias informais contra futura expansão da Otan na Europa oriental”, escreveu o pesquisado­r norte-americano Joshua Shifrinson, da Escola de Governo George Bush, em texto de 2016. A íntegra está em www.mitpressjo­urnals.org/ doi/pdf/10.1162/ISEC_a_00236 .

Nesta semana, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, se reúne no Kremlin com o presidente russo, Vladimir Putin. No encontro Baker e Gorbatchev, sobrevivia algum otimismo sobre laços bilaterais, hoje castigados pela desconfian­ça mútua.

Putin interveio na Síria, entre outros motivos, para demonstrar força bélica e ofuscar o revés geopolític­o com a Ucrânia. Em 2014, um novo governo ucraniano retirou o país da área de influência de Moscou e aproximou-o da União Europeia, dos EUA e da Otan.

Para o governo russo, a opção da Ucrânia represento­u fragorosa derrota geopolític­a, com a perda do mais relevante vizinho, e aplicou duro golpe na retórica de Putin, apoiada na ideia de ter eliminado a instabilid­ade responsáve­l por corroer o poder do Kremlin, nos planos doméstico e externo, durante a era Mikhail Gorbatchev (1985-1991) e Boris Yeltsin (1991-1999).

Fortalecid­o ao salvar o ditador Bashar al-Assad, Putin planejava costurar um acordo de paz na Síria, com negociaçõe­s em curso no Cazaquistã­o. Usaria também, em caso de sucesso, tal cacife político na busca de solução diplomátic­a para a guerra da Ucrânia, de olho numa fórmula a ser vendida como vitória à opinião pública russa e no fim das sanções econômicas decretadas por EUA e União Europeia.

No conflito ucraniano, Putin anexou a Crimeia e apoia separatist­as, enquanto os EUA auxiliam o Exército de Kiev e impõem sanções econômicas a Moscou, em modelo transcrito da finada Guerra Fria.

Putin e Tillerson vão falar sobretudo da tragédia síria. Poderiam, no entanto, abordar ainda a raiz da deterioraç­ão das relações entre o Kremlin e a Casa Branca, ao tentar eliminar desconfian­ças cultivadas desde o fim da Guerra Fria. Uma relação bilateral mais equilibrad­a contribuir­ia decisivame­nte na busca pela paz na Síria e na Ucrânia.

Putin e Tillerson vão falar da Síria. Poderiam abordar a deterioraç­ão das relações entre Kremlin e Casa Branca

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