Samar Haddad nunca foi
O som dos morteiros disparados por grupos rebeldes salafistas ligados à organização terrorista Al Qaeda na periferia de Damasco não conseguiram abafar os tambores e as cornetas das fanfarras que invadiram as ruas da capital síria neste Domingo de Ramos.
Nas igrejas damascenas de todas as denominações milhares de cristãos, muçulmanos e até judeus que vivem aqui foram assistir a um evento raro. Pela segunda vez desde o início da guerra civil na Síria, a Páscoa cai no mesmo dia tanto para as igrejas do Ocidente quanto do Oriente.
A brasileira Mágida Hilal, no entanto, perdeu o dia de festas na cidade antiga. Chefe do departamento administrativo do Consulado do Brasil em Damasco, Mágida tinha sobre sua mesa mais de 25 pedidos de atribuição de nacionalidade de sírios com alguma ligação com o Brasil.
Desde o início da guerra, em 2011, o número de pedidos explodiu na embaixada brasileira. “O pico foi no ano retrasado e no ano passado, quando recebíamos de 90 a 100 por mês”, conta ela.
Hoje o número se estabilizou em cerca de 50 por mês. Assim como os brasileiros de ascendência europeia que fizeram uma corrida em busca do passaporte vermelho nos momentos de crise, os sírios veem na nacionalidade brasileira um salvo-conduto para escapar da guerra.
Muitos deles já haviam perdido as conexões com o Brasil depois que seus pais ou avós retornaram para a Síria após a grande onda de imigração do final do século 19 e início do século 20.
“Há um número enorme de sírios-brasileiros que não falam português, que não têm ligação com o Brasil, mas que nasceram lá ou são filhos de descendentes sírios que nasceram no Brasil”, diz o diplomata Achilles Zaluar, charges de affairs brasileiro na Síria. Como o Brasil não mantém um embaixador pleno no país árabe, Achilles é autoridade máxima da embaixada.
“Mas é importante lembrar que eles são brasileiros como cada um de nós, com os mesmos direitos. Nós não fazemos diferença.” CLUBE HOMS ao país onde seus pais nasceram e se conheceram numa tarde de domingo no Clube Homs, na avenida Paulista.
Neta de emigrantes sírios, até há pouco mais de dois anos ela não tinha nenhuma conexão com o Brasil.
Isso mudou quando seu filho decidiu seguir o caminho de milhares de jovens que não suportaram a pressão de viver em uma guerra sem sinal de chegar ao fim.
“Ele é trompetista e aproveitou uma apresentação da orquestra jovem na França para abandonar o país. Pegou um trem para a Alemanha e pediu asilo, não o vejo desde então”, diz.
Cidadãos sírios precisam de visto para quase todos os países do mundo e, com o agravamento da crise e as sanções internacionais, obter um é quase impossível.
“Decidi buscar a cidadania para visitá-lo e poder oferecer a ele e minha filha a chance de viver na Europa, ou até no Brasil, nesse momento de crise que vivemos”, conta ela, que trabalha com relações públicas em Damasco.
Sabedores das dificuldades econômicas do país, muitos sírios buscam a nacionalidade para conseguir chegar à Europa sem precisar enfrentar os perigos de uma travessia ilegal pelo Mediterrâneo ou mesmo para escapar das políticas restritivas do governo americano.
Jan Deic, um druso de 21 anos, espera usar o passaporte brasileiro para chegar ao Canadá, onde já tem amigos.
“Ainda não consegui o visto, mas conseguirei. Com o passaporte sírio seria impossível. Com o brasileiro eu já fui a Londres e viajei pela Europa sem ninguém me parar”, afirma ele, dizendo ser alvo de inveja dos colegas.
“Estamos na idade de ir para o Exército, e todos queriam ter uma rota de fuga se convocados”, conta o neto de um filho de emigrantes sírios que nasceu no Brasil.
Samer Kassab não tem pla-
“
Temos contatos, telefones, endereço de quase todos [os cidadãos brasileiros no país], se as coisas saírem do controle. Temos um plano montado
ACHILLES ZALUAR
diplomata brasileiro na Síria
Decidi buscar a cidadania para visitar meu filho [na Europa] e poder oferecer a ele a chance de viver na Europa ou no Brasil
SAMAR HADDAD
síria filha de brasileiros