Tiro traumatiza brasileira que migrou ainda bebê
nos de deixar a Síria se as coisas não saírem completamente do controle na área dominada pelo governo.
Nascido no Brasil, ele veio para Damasco aos dois anos, com os pais que haviam emigrado para São Paulo.
Não fala português e não tem parente no país, mas, depois que a guerra começou, decidiu buscar a cidadania para os filhos, um menino de oito anos e uma jovem de 18.
“Fiquei muito mais tranquilo, sabemos que podemos contar com o governo brasileiro se as coisas aqui se tornarem insustentáveis”, diz ele, um engenheiro de 55 anos e morador de Damasco.
“É como um seguro, podemos ir para a Europa, para o Brasil, para vários lugares se quisermos. Infelizmente são poucos os sírios hoje que têm essa oportunidade”.
A Embaixada do Brasil em Damasco contabiliza hoje 1.200 cidadãos nacionais vivendo na Síria, o que demonstra que muitos dos que conseguiram a cidadania recentemente saíram do país.
Segundo Achilles Zaluar, recentemente foi atualizado o plano de contingência para tirar brasileiros da Síria se a crise se agravar ainda mais.
“Temos contatos, telefones, endereço de quase todos, se as coisas saírem do controle. Temos um plano montado. Esperamos não usá-lo. Esperamos que a Síria retorne à paz o mais breve possível.”
DO ENVIADO A DAMASCO
Ainda estava escuro quando um morteiro atingiu uma parede do apartamento da brasileira Márcia Kardous, 27, no fim de março. Era o início da última ofensiva de grupos rebeldes ligados à Al Qaeda entrincheirados na periferia de Damasco contra a capital.
A explosão não causou danos à estrutura do prédio, mas destruiu o vidro de todas as janelas.
“Começou a ficar muito frio e fui ligar o aquecedor. Dava para perceber que era uma batalha grande porque os tiros e os morteiros não paravam, mas eu não imaginava que estava tão perto, na minha rua”, conta ela, que nasceu no Brasil e vive na Síria desde os seis meses de idade.
Primeiro Márcia acho que havia tomado um choque.
Foi só quando caiu e percebeu um pequeno furo na barriga que imaginou que poderia ter sido atingida por um tiro. A bala atravessou seu tórax e foi parar em seu pescoço.
“Foi um milagre, tive apenas os pulmões perfurados, nenhum outro órgão foi atingido”, conta ela. De cama, mas fora do hospital, Márcia se recupera dos ferimentos. Ainda sente dores e dificuldade para respirar.
Os reflexos físicos do que ela chama de “acidente” parecem ser pequenos comparados com as marcas psicológicas.
Márcia não conseguiu mais voltar para o apartamento depois que foi baleada. Está na casa da irmã e passa os dias assustada com os sons da artilharia síria e dos morteiros que caem nas proximidades. Durante a noite, tem crises de choro recorrentes.
“Ela está deprimida, não é fácil passar pelo que ela passou depois de viver tanto tempo tão próxima da guerra”, conta seu tio, o médico sírio-brasileiro Rafle Kardous.
Márcia estava com o casamento marcado para junho. Já havia escolhido a decoração da igreja e acertava os últimos detalhes da festa. Agora, tudo parou.
“Não quero pensar nisso neste momento, não me sinto preparada”, diz.
Márcia quer ir embora da Síria. Não sabe ainda que destino tomará. Se vai para o Brasil, para algum país europeu ou para a Armênia, terra dos familiares do seu noivo. (YB)