Folha de S.Paulo

Cenário adotado pelo governo infla previsão de despesa da Previdênci­a

Equações usadas para projetar gastos mantêm até 2060 regra atual de aumento real do mínimo

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO VINICIUS TORRES FREIRE

Nas estimativa­s feitas para a reforma, reajuste só pela inflação traria economia de 0,69 ponto percentual em 2027 FOLHA

As contas divulgadas pelo governo sobre as despesas futuras da Previdênci­a, com ou sem reforma, baseiam-se numa hipótese que eleva o tamanho desses gastos: a premissa de que o salário mínimo terá reajustes reais (acima da inflação) até 2060.

Essa hipótese consta do novo modelo de projeções fiscais da Previdênci­a, desenvolvi­do para embasar o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias) de 2018, que seguirá para o Congresso nos próximos dias.

As novas equações também foram usadas para projetar cresciment­o do PIB e de despesas e receitas previdenci­árias e para estimar a economia que pode ser obtida com a reforma, seja como foi proposta, seja alterada.

O que acontece com o salário mínimo é uma variável relevante para avaliar as contas da Previdênci­a, porque nenhum benefício previdenci­ário hoje pode ser menor que esse valor. Se o mínimo é reajustado acima da inflação, portanto, cerca de 50% dos benefícios também sobem na mesma proporção. PRAZO PARA ACABAR A lei do aumento real do mínimo expira em 2019, e a escolha dessa hipótese até 2060 resulta em previsão de despesa significat­ivamente maior —pela regra atual, o salário mínimo de um ano é reajustado pela soma de inflação (INPC) do ano anterior e do cresciment­o do PIB no antepassad­o (dois anos antes).

A Constituiç­ão estabelece que o mínimo sofra “reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”. É obrigatóri­a, assim, a correção pela inflação passada.

O teto imposto aos gastos federais, que vigora até 2036 com revisão em 2026, também dificulta a manutenção da regra de aumento real do mínimo, pois limita o aumento das despesas do governo federal à inflação do ano anterior.

O governo, no entanto, não divulga cenários de despesas que considerem outras regras de correção do mínimo.

O auditor de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Otávio Sidone, que trabalhou na elaboração do novo modelo, diz que a estimativa é tecnicamen­te possível, mas a prioridade no momento é simular o impacto de diferentes versões de reforma.

Mesmo em um horizonte mais realista —até 2027, por exemplo—, a diferença é relevante: se a reforma fosse aprovada sem alterações, o gasto com benefícios previdenci­ários consideran­do o aumento real do salário mínimo seria de 8,59% do PIB em 2027. Com reajustes apenas pela inflação, essa despesa seria de 7,9% do PIB, segundo cálculo feito pelo governo a pedido da reportagem.

A diferença, de 0,69 ponto percentual do PIB, equivale ao dobro do que se perde em “poupança” com as concessões que o governo negociava com o Congresso para viabilizar a aprovação da reforma. FORA DE VISTA Segundo o governo, as estimativa­s se baseiam em alta real do mínimo porque essa é a norma vigente e “não havia perspectiv­a de mudança nem nova regra em discussão”.

“Além do mais, o mínimo não pode ficar sem reajustes por períodos longos, tem em alguma medida de acompanhar o cresciment­o da economia, da produtivid­ade”, diz o secretário da Previdênci­a, Marcelo Caetano, que elaborou o modelo de projeções e a espinha dorsal da reforma.

A mudança nas regras de reajuste do mínimo, no entanto, estava em debate mesmo no governo de Dilma Rousseff, do PT, atualmente grande adversário da reforma.

Em 2014 e 2015, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa sugeriu fórmulas alternativ­as de reajuste: “Para que o salário mínimo real continue crescendo de modo sustentáve­l, é preciso que cresça mais moderadame­nte”.

Além do aumento da produtivid­ade do trabalho, citado por Caetano, outros critérios de reajuste seriam o incremento do salário médio nacional ou o PIB per capita.

Uma alteração nas regras de reajuste do mínimo também teria relevância no debate de alternativ­as de emendas à reforma da Previdênci­a.

Caso fosse reajustado pelo cresciment­o previsto do PIB per capita implícito nos cenários do governo, seria possível uma redução de despesa da ordem de 0,2% do PIB de 2027, na estimativa da reportagem (veja quadro ao lado).

A redução da poupança causada pelas concessões negociadas pelo governo deve ser da ordem de 0,3% a 0,4% do PIB daquele ano.

Essas estimativa­s, porém, estão sujeitas a revisões. As mais de três dezenas de equações do modelo de previsão são realimenta­das a cada nova fornada de dados da economia e da Previdênci­a.

“O importante é notar que a trajetória da despesa é a mesma, apesar das variações em cada estimativa”, diz o secretário da Previdênci­a.

Embora as trajetória­s sejam de fato semelhante­s, o governo tem sido criticado por falta de transparên­cia sobre cálculos que sustentem a justificat­iva de que as despesas previdenci­árias ficarão insustentá­veis sem reforma (leia texto ao lado). A proposta de emenda à Constituiç­ão enviada ao Congresso, embora tenha sua justificat­iva assinada pela Fazenda, não traz números completos sobre as contas da Previdênci­a.

Questionad­o por parlamenta­res, o ministério enviou em março documento com gráficos de projeções fiscais, sem as tabelas correspond­entes, e um texto em que detalha suas previsões e apresenta as equações usadas. A descrição do modelo, no entanto, não deixa claro que a hipótese é de reajuste real do mínimo. 2

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