Folha de S.Paulo

Temer ‘desfigurou’ reforma de 1996, diz FHC

Em livro de diários, ex-presidente se queixa de papel do então deputado como relator de texto sobre a Previdênci­a

- LAÍS ALEGRETTI RANIER BRAGON

A reforma da Previdênci­a foi desfigurad­a, o Temer cedeu além de todos os limites

Procuradas, assessoria­s do Planalto e de FHC disseram que não se pronunciar­iam sobre os trechos da obra

Se hoje o presidente Michel Temer trabalha para evitar que o Congresso altere de forma profunda a proposta de reforma da Previdênci­a, há 21 anos era ele o responsáve­l por mudar o texto do Palácio do Planalto, chefiado por Fernando Henrique Cardoso.

Em 1996, Temer foi relator, na Câmara dos Deputados, do texto de reforma previdenci­ária do governo tucano.

No primeiro livro com seus diários, FHC faz uma avaliação constrange­dora para Temer: diz que o peemedebis­ta desfigurou a reforma da Previdênci­a enviada ao Congresso na década de 1990.

“A reforma da Previdênci­a foi desfigurad­a, o Temer cedeu além de todos os limites.”

No primeiro volume dos diários, com lembranças de 1995 e 1996, FHC relata as dificuldad­es para aprovação da proposta e menciona várias vezes a atuação de Temer.

“Na última hora o Michel Temer mudou coisas muito importante­s que havia combinado conosco, tornando a reforma previdenci­ária muito pouco eficaz para o combate de uma porção de abusos”, escreveu o tucano, sem mencionar quais foram essas alterações.

No período em que FHC fez essas constataçõ­es, fim de março de 1996, o relatório de Temer alterando o projeto original foi apresentad­o e votado em primeiro turno na Câmara dos Deputados.

Pesquisa no Acervo da Folha revela que, nesse período, Temer desistiu de aumentar em cinco anos a proposta de idade mínima para servidores, que ficou, naquela versão do texto, em 55 anos (homem) e 50 anos (mulheres).

O texto que Temer enviou ao Congresso em 2016, já como presidente, prevê idade mínima de 65 anos como regra geral para aposentado­ria.

Na mesma semana das declaraçõe­s de FHC, em 1996, Temer disse, após reunião com deputados, que, para a aposentado­ria rural, valeria o tempo que a pessoa declarasse ter trabalhado, mesmo sem vínculo empregatíc­io.

Duas décadas depois, ele mesmo enviaria ao Congresso proposta de alteração na aposentado­ria rural. Diante da forte resistênci­a de parlamenta­res nesse ponto, Temer já admitiu fazer concessões.

Especialis­tas e técnicos do governo defendem que há espaço para fraude na aposentado­ria rural exatamente porque não é necessário fazer contribuiç­ões periódicas à Previdênci­a Social.

O texto da equipe de Michel Temer propõe que essas contribuiç­ões ocorram de forma periódica e sugere idade mínima de 65 anos também para o trabalhado­r rural. PRIVILÉGIO­S No livro, FHC reclama da falta de disposição dos parlamenta­res para alterar regras de aposentado­ria e acabar com distorções do sistema.

“Dá para perceber que realmente o Congresso não quer mudar nada no que diz respeito às corporaçõe­s e aos privilégio­s”, escreveu.

O ex-presidente tucano menciona, ainda, que os impactos de mudanças nas regras de Previdênci­a feitos àquela época seriam sentidos apenas em governos posteriore­s —mesma avaliação, hoje, da equipe de Temer.

“A mudança constituci­onal da Previdênci­a vai ajudar os próximos governos, não o meu, a não ser como sinalizaçã­o”, disse FHC.

Procuradas pela reportagem, as assessoria­s de imprensa do Palácio do Planalto e do ex-presidente informaram que não comentaria­m os trechos do livro.

Em entrevista à Folha na sexta (7), Temer mencionou a reforma da década de 1990 ao dizer que está “fortemente esperanços­o” com a aprovação da proposta dele.

“Eu tenho experiênci­a nisso, porque eu fui relator da primeira reforma da Previdênci­a, em 1995. E eu lembro que, para aprová-la, tivemos de trabalhar muito. Naquela oportunida­de, foi dificílimo aprovar a reforma.”

BRUNO BOGHOSSIAN GUSTAVO URIBE, 31 DE MARÇO DE 1996

Só que, vale a pena registrar, na última hora o Michel Temer mudou coisas muito importante­s que havia combinado conosco, tornando a reforma previdenci­ária muito pouco eficaz para o combate de uma porção de abusos

20 DE MARÇO DE 1996

O Congresso não quer mesmo mudar. [...] Vamos ter, digamos, 30% do que queríamos. É pouquíssim­o

20 DE MARÇO DE 1996

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

em “Diários da Presidênci­a”, volume 1 (1995-1996)

 ?? Lula Marques - 14.set.99/Folhapress ?? O então presidente FHC cumpriment­a Michel Temer, à época deputado federal, em 1999
Lula Marques - 14.set.99/Folhapress O então presidente FHC cumpriment­a Michel Temer, à época deputado federal, em 1999

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