Folha de S.Paulo

Doria é popular porque é bom zelador

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

A NEUROCIÊNC­IA tem mostrado que o ser humano tem opinião prévia sobre as coisas: diante de um objeto qualquer, forma sua avaliação em uma fração de segundo (cerca de 1/200 para imagens, por exemplo). Depois vai buscar explicaçõe­s racionais para a decisão. Isso vale para a compra da casa própria, um novo romance ou políticos. João Doria (PSDB) irrita os analistas políticos desde que anunciou sua candidatur­a. Os eleitores, ao contrário, gostam de sua performanc­e.

Sinal desse descompass­o entre jornalista­s e opinião pública são vaticínios de que o prefeito vai tropeçar em breve: erraram nas prévias do PSDB, na eleição e na pesquisa Datafolha deste fim de semana (eu mesmo, neste espaço, apostei que ele perderia nas duas etapas de 2016). Mesmo assim, analistas insistem: ele terá dificuldad­es para manter a popularida­de. Trata-se de uma obviedade: se não continuar sendo um bom prefeito aos olhos da maioria dos eleitores, vai cair nas pesquisas.

Uma outra pesquisa Datafolha, sobre as razões que levaram ao voto na eleição do ano passado, mostrou que os eleitores deram a Doria a vitória no primeiro turno porque se encantaram principalm­ente com suas propostas para a saúde. Pois ele tomou posse e em poucos meses apresentou resultados inéditos na redução das filas de exames por imagem, para os quais falta infraestru­tura na rede pública.

Feitos os diagnóstic­os, aumenta a fila para as consultas de retorno. Agora ele terá dificuldad­es, alertam os oráculos: sim, mas trata-se de um desafio muito mais simples, pois depende apenas de recursos existentes na rede pública.

Além da saúde, a análise histórica das curvas de aprovação em São Paulo revela sem sombra de dúvidas: a popularida­de de um prefeito tem correlação absoluta com o preço da passagem de ônibus. Doria congelou o Bilhete Único. Desde aquele momento era previsível que ele terminaria o ano (ou o período de congelamen­to da tarifa) com alta popularida­de.

Os oráculos alertam para o fato de que isso exige mais subsídios. Óbvio, mas a solução é simplesmen­te uma questão de prioridade, semelhante à que faz a dona de casa economizar em tomate para gastar em frango.

Por fim, outra coisa que irrita muito os que não gostam de Doria é sua fantasia semanal de gari. São provavelme­nte pessoas que adoravam ver Lula e Dilma vestidos de petroleiro­s, sujando a mão no óleo. Cada um curte a fantasia que admira. Mas a participaç­ão de autoridade­s na limpeza das ruas é prática elogiável: Tóquio era uma cidade suja até os anos 1950, fez uma revolução cultural nessa área, que envolveu levar às ruas ricos e pobres para fazerem zeladoria de suas quadras. É algo simbólico que, mantido com persistênc­ia, pode mudar o nojo que são nossas ruas.

O que me parece que falta aos analistas e à opinião pública em geral é a capacidade de perceber que Doria pode estar quebrando um paradigma da administra­ção pública brasileira: a de que zeladoria não dá votos. A aprovação de Gilberto Kassab (PSD) no primeiro mandato (o da Cidade Limpa, 2006-2008) deu todos os sinais de que um prefeito zelador pode ser popular. E essas atividades (agora reunidas sob o nome Cidade Linda) custam muito menos do que grandes realizaçõe­s. São perfeitas para um tempo de crise orçamentár­ia, como os analistas garantem que estamos vivendo.

Já erramos sobre o prefeito duas vezes; até quando vamos ficar apostando que algo vai dar errado?

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