Folha de S.Paulo

Sem-teto ‘renasce’ com novo emprego, faz compras e já mira um apartament­o

Prefeitura

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DE SÃO PAULO

A calçada sob um viaduto da av. Nove de Julho é só um caminho para quem nunca experiment­ou nada ali. Para Debora Pambu dos Santos, 30, porém, voltar àquele lugar “é estranho”. “Me lembra de quando eu morava aqui”, diz.

Debaixo da ponte foram três anos e nove meses, a idade de seu filho, Kauã. Hoje, Debora Bombom, como foi apelidada, tem vaga fixa em um albergue na Bela Vista, no centro, onde dorme todos os dias há dois meses.

Um assistente social amigo dela paga uma babá para tomar conta de Kauã, enquanto ela não consegue alugar um apartament­o —plano que quer concretiza­r em breve, com o salário que está recebendo pela primeira vez.

Ela é uma das 230 integrante­s do programa Trabalho Novo, bandeira de Doria para oferecer emprego em diferentes Bombom, como é conhecida, largou o crack e comemora trabalho fixo em ação da

DEBORA DOS SANTOS, 30

sem-teto recém-empregada em SP empresas aos sem-teto.

Há dois meses, ela trabalha como auxiliar de limpeza em um escritório da Guima, que presta serviços no centro da cidade. “Agora estou firme e forte, com os pés no chão. Estou indo feliz para o trabalho. Meu objetivo é guardar dinheiro para alugar uma casa.”

Seus cabelos são crespos e pintados de vermelho, e ela gosta de usar batons com cores vibrantes: roxo, rosa. Faz cara séria, mas quando começa a falar, abre um sorriso, fala com rapidez, passa a impressão de que é hiperativa.

No escritório em que trabalha, limpa salas, mesas e banheiros das 8h às 18h. “Está sempre de brincadeir­a”, diz a colega Eurídice Ribeiro, 58, também auxiliar de limpeza.

No começo, Bombom não tinha como levar comida —o dinheiro ainda não tinha sido depositado no vale-refeição— então as novas amigas se revezaram para ajudá-la. “Eu levei marmita durante uma semana e, nas semanas seguintes, outras duas mulheres levaram”, diz Eurídice. Os funcionári­os do restaurant­e da frente deram almoço de graça para ela por uma semana.

“As pessoas sabem das minhas condições, onde eu moro. Não tem problema nenhum”, afirma Bombom. Para a amiga Eurídice, “ela é uma pessoa como qualquer outra, com problemas”. “E quem não tem problemas?” RUA Bombom vive na rua desde os 15 anos. Saiu de casa, segundo relata, porque o ex-marido da mãe abusava dela desde pequena. “Fugi para a rua e conheci o crack. Dos 15 aos 24 anos usei drogas”, diz. Ficou um tempo longe do vício, mas, nos anos seguintes, quando namorava o pai de seu filho, de quem disse ter “apanhado demais”, voltou a usar.

“Eu era muito nervosa, violenta. Cheguei a esfaquear pessoas”, diz. Quando engravidou do filho, conta, largou o crack. “Sozinha. Não precisei de clínica nem nada.”

“Mudei muito”, ela costuma repetir. Dos R$ 1.075 do primeiro salário que recebeu, gastou R$ 570 com o filho. “Comprei roupas, sapatos, inalador que ele precisava, xampu, condiciona­dor, essas coisas que crianças precisam.” O restante foi para quitar uma dívida no banco, resultado de anos de empréstimo­s para pagar um quarto em que viveu há alguns anos.

Aos fins de semana, fica com o filho ou “dá uma ajuda” na Tenda 9 de Julho, um espaço de assistênci­a a moradores de rua, da prefeitura. Fica do outro lado da calçada sob o viaduto onde viveu por três anos e nove meses de sua vida. (JULIANA GRAGNANI)

Agora estou firme e forte, com os pés no chão. Estou indo feliz para o trabalho. Meu objetivo é guardar dinheiro para alugar uma casa As pessoas sabem das condições, onde eu moro. Não tem problema nenhum

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