Folha de S.Paulo

Solo de Beltrão amortece força reflexiva de “Antígona”

- VALMIR SANTOS

Após aplauso efusivo, Andrea Beltrão dispõe-se a conversar sobre o monólogo que acaba de apresentar. Ninguém ousa a palavra e a coisa fica por aí.

A essência da tragédia contemporâ­nea talvez esteja nessa indiferenç­a do público, fruto da incapacida­de dos artistas chegarem a bom termo em suas escolhas estéticas na primeira das duas sessões de “Antígona” no Festival de Curitiba.

Parte dos espectador­es tem postura inversa no início do espetáculo, celulares em punho, ávidos por selfies ao lado da protagonis­ta que já flana nos corredores da plateia disponível para as abordagens. O “prólogo” é de pose e sorrisos.

Há algo de errado em acionar Sófocles por meio do tradutor-adaptador Millôr Fernandes e a reflexão soar amortecida quanto à condição humana e sua inexorabil­idade política.

Encorajada pelo diretor Amir Haddad, Andrea arrisca relação direta com o público sob escala espacial pelo menos dez vezes maior do que aquela do teatro Poeirinha, no Rio, onde estreou em 2016 —o curitibano Bom Jesus possui 658 lugares.

O espírito de feira é próprio de Haddad nas praças que frequenta há 27 anos com o grupo Tá na Rua.

Mas aqui a distensão mina a capacidade de síntese da atriz que concentra todos os personagen­s e o coro. O mito desaparece nos modos de narrar e atuar.

Filha do incesto de Édipo e Jocasta, Antígona contraria ordem oficial do rei de Tebas, Creonte, que veta o enterro de um dos irmãos dela, Polinices, por considerá-lo traidor. O primogênit­o morre em campo de batalha vítima do caçula Etéocles, que tampouco sobrevive ao enfrentame­nto pelo poder.

A linha de tempo recua, avança ou presentifi­ca o período do nascimento à morte da cidade grega através daqueles que a habitam em incestos, martírios, tiranias e pelejas como a antítese família e Estado.

No fundo do palco, cartazes perfilados representa­m alguns desuses e a linhagem de mortais que cumpriram destinos trágicos.

Esse despojado varal genealógic­o é revelador do quão a estratégia do precário pode, ela também, trair poéticas. VALMIR SANTOS LENISE PINHEIRO AVALIAÇÃO regular

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