Folha de S.Paulo

CRÍTICA Saura dirige olhar solene à música argentina

Cineasta espanhol filma gêneros tradiciona­is do norte do país, como zamba, vidala, chacarera, gato e carnavalit­o

- ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ

A dança e a música popular sempre estiveram no radar do veteraníss­imo Carlos Saura. Isso é demonstrad­o por seus filmes sobre o flamenco, como “Bodas de Sangue” (1981), “El Amor Brujo” (1986), “Sevilanas” (1991) e nos outros dois que abordam o gênero (de 1995 e 2010); em “Tangos” (1998); “Fados” (2007) e “Jota de Saura” (2016), ainda inédito por aqui.

Desta vez, o diretor espanhol se interessa por gêneros musicais tradiciona­is do norte da Argentina, manifestaç­ões culturais que fora do país permanecem eclipsadas pelo tango. Saura foi sensibiliz­ado por essa música ainda menino, quando sua mãe, pianista, tocava chacareras e zambas —não por acaso os gêneros mais presentes no filme. E soube se cercar de conhecedor­es, como o compositor e pianista Lito Vitale, que assina a direção musical.

Recusando-se a narrar ou explicar, o filme é um percurso sensorial e pessoal formado por uma sucessão de números musicais —frequentem­ente coreografa­dos— representa­tivos de gêneros resultante­s da combinação entre as múltiplas culturas indígenas originária­s e as contribuiç­ões da colonizaçã­o espanhola, da escravidão africana e da imigração europeia.

Gêneros como zamba, vidala, chacarera, gato, carnavalit­o, malambo, copla e chamamé são interpreta­dos por músicos do primeiro time, num cenário despojado delimitado por espelhos e telas iluminadas que destacam sombras que duplicam os movimentos dos bailarinos.

Sóbrio e de grande apelo visual, esse arranjo evita o risco da monotonia e ressalta a força do material musical e a expressivi­dade das coreografi­as dos irmãos Koki e Pajarín Saavedra, que reinventam danças tradiciona­is a partir do balé contemporâ­neo num gesto não isento de sensualida­de.

Nos melhores momentos, a câmera é ágil, desdobra pontos de vista e adota perspectiv­as pouco usuais, como quando enquadra de cima para baixo a coreografi­a do grupo Metabombo com seus tambores e sapateados. Outro momento de grande beleza plástica é o duo dos Saavedra com boleadeira­s —artefato de cordas e pedras, usado para laçar gado—, que giram rapidament­e batendo no chão em sincronia com os tambores.

Essa magia só é rompida nos poucos números com músicos vestidos com trajes tradiciona­is, quando a maneira de filmar é monocórdia.

Saura só faz referência a duas figuras da música tradiciona­l argentina, não por acaso suas maiores referência­s, Atahualpa Yupanqui e Mercedes Sosa, em sequências que rompem com a proposta estética do filme e podem emocionar ou exasperar.

Mas a solenidade do olhar e a altivez da dança e da música, cujas letras falam mais de angústia e sofrimento do que de amor, prevalecem. DIREÇÃO Carlos Saura ELENCO Soledad Pastorutti, Pedro Aznar e Jaime Torres PRODUÇÃO Espanha, Argentina, França, 2015 AVALIAÇÃO muito bom

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Cena de ‘Argentina’, documentár­io musical do espanhol Carlos Saura

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