Folha de S.Paulo

Cueca milagrosa

- GREGORIO DUVIVIER COLUNISTAS DA SEMANA: terça: José Simão, quarta: Reinaldo Figueiredo, quinta: José Simão, sexta: Ricardo Araújo Pereira, sábado: José Simão, domingo: Marcius Melhem

DE TODAS as salas do céu, a mais caótica e barulhenta é a sala das superstiçõ­es. Milhares de funcionári­os tentam apurar se tudo está sendo cumprido nos conformes, assistindo a um emaranhado de telas de todos os tamanhos.

“Opa!” diz Carlos, o fiscal de escadas, “um tal Jorge Pereira acaba de passar debaixo de uma escada em Copacabana. Desculpa, Jorge, mas eu vou ter que acabar com a sua vida.”

Pra sorte de Jorge, Marisa, fiscal de madeiras, percebeu que, arrependid­o, Jorge tinha batido três vezes seguidas na madeira da própria escada. “Carlos!” gritou Marisa, “Suspende a maldição!”. Carlos ainda tentou argumentar: “Na escada não vale! Tem que ser na mesa!”. Mas a regra é clara, lembrou Marisa: “Vale qualquer madeira, inclusive MDF”.

Chegando em casa, Jorge botou sua cueca da sorte e foi pro estádio ver seu Botafogo, levando à loucura que Marcelo tinha pendurado na janela sua camisa assinada pelo Sócrates. Mas a cueca de Jorge era mais poderosa: nunca tinha visto o Botafogo perder. Na verdade, nunca tinha visto nada, pois tava sempre embaixo da bermuda. Mas lá de dentro era infalível. Tinha feito mais pelo Botafogo do que qualquer centroavan­te.

Paulão, responsáve­l pelas cuecas da sorte, tentou contundir o goleiro do Corinthian­s, mas não conseguiu: da sorte, evocou a camisa de Marcelo e bloqueou a contusão. Foi num cruzamento do Botafogo, aos 45 do segundo tempo, que Paulão, num impulso, mandou um vento norte que empurrou a bola pra dentro do gol, contrarian­do todas as leis da física. Jorge berrava no estádio: “Foi a cueca! Eu tenho certeza!”. A torcida jogava Jorge pro ar, cantando: “Jorge Pereira/ sua cueca é artilheira”. e sádico. Deu-lhe um pito. “Vou ter que te dispensar.” “Mas quem vai cuidar das cuecas da sorte?”, perguntou Paulão, desesperad­o. “Vão perder o efeito por algum tempo”, disse Deus. “Até o pessoal se esquecer dessa história.”

Em sua cama, Jorge dormia abraçado à cueca artilheira, sonhando com o mundial interclube­s. Pobre Jorge.

 ?? Catarina Bessell ??
Catarina Bessell

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil