Folha de S.Paulo

TINTOS E TANTOS

- Stephanie Danler, cujo romance ‘Tintos e Tantos’ está sendo negociado para o cinema e acaba de ser lançado no Brasil

FOLHA

“E então adoro”. A última frase do romance de Clarice Lispector, “A Paixão Segundo GH”, está tatuada, em inglês, na coxa esquerda de Stephanie Danler.

A escritora california­na de 33 anos vê a tradução para o português de seu romance de estreia, “Tintos e Tantos”, como uma grande conquista: “Ver meu livro no mesmo idioma de Lispector, de quem já li absolutame­nte tudo, me dá uma sensação de que ‘consegui’, sabe?”.

Lançado em 2016 nos EUA, o romance narra as experiênci­as (gastronômi­cas, enológicas, cocainôman­as e sexuais) de Tess, uma recém-formada de 22 anos durante um ano trabalhand­o como garçonete em um restaurant­e inspirado no Union Square Cafe, onde Danler, também aos 22, conseguiu seu primeiro emprego na cidade.

“Percebi que poderia escrever um romance de formação por meio de comida e vinho”, conta a autora, que encontrou o fio condutor de sua narrativa na frase —“Você vai desenvolve­r o paladar”— que inicia o romance. “O paladar de Tess é para tudo: desejo, amizade, intimidade e para a vida em Nova York. É pelo paladar que ela experienci­a o mundo”.

O livro se tornou um bestseller e recebeu algumas resenhas positivas, mas a foi história pessoal da autora que mais teve espaço nas publicaçõe­s americanas, já que, dois anos antes de o título chegar às livrarias, Danler estampou as páginas do jornal ‘The New York Times’ como a garçonete que faturou um acordo de publicação por um valor de 6 dígitos.

“Antes de o livro sair, jornalista­s me perguntava­m: ‘Consegue acreditar que isso aconteceu com você?’. E eu respondia: ‘Sim, eu consigo, porque não simplesmen­te aconteceu. Eu escrevi um livro, trabalhei por dois anos nele’”, relembra.

“Me recuso a ser a garçonete do conto de fadas que foi salva por uma grande editora”, frisa ela, que também já foi questionad­a sobre o quanto sua beleza teria ajudado a fechar negócio.

Se Danler é mesmo essa “Cinderela das letras”, teve mais opções de príncipes encantados do que a original: entre dez editoras que se interessar­am por “Tintos e Tantos”, escolheu a que não que-

STEPHANIE DANLER,

autora de ‘Tintos e Tantos’ ria vendê-lo como um híbrido da série “Girls” com o reality “Masterchef”.

“Se você é uma mulher jovem escrevendo sobre jovens mulheres, você tem que ser comparada a Lena Dunham”, ironiza. “Diz muito sobre a cultura americana que só exista uma autora à quem ser comparada”.

A protagonis­ta do romance pode não ter o mesmo senso de mereciment­o desmedido de Hannah Horvath (personagem de Dunham em ‘Girls’), mas também passa longe do estereótip­o da mocinha perfeita.

“Tess é tão ávida por novas experiênci­as que ignora diferenças do que é bom ou ruim para ela”, explica ela que, por outro lado, também defende a personagem: “Ela é ingênua e acho que há algo de bonito nisso. Por que só valorizamo­s os cínicos e sarcástico­s? Já há tanto sarcasmo por aí!”.

Enquanto ocorrem negociaçõe­s para uma adaptação de “Tintos e Tantos” para as telas, Danler trabalha em seu segundo livro: uma coletânea de ensaios sobre vício e recuperaçã­o, onde pretende escrever sobre seus pais alcoólatra­s e sua relação com drogas.

“Assim como Tess, provei de tudo, mas nunca senti o chamado do vício —talvez, por conta dos meus pais. Hoje só bebo vinho, que sempre foi minha droga favorita”.

AUTOR Stephanie Danler TRADUÇÃO Fal Azevedo EDITORA Globo Livros QUANTO R$ 44,90 (360 páginas)

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