Em cima da hora TV Cultura recua e exibe cena censurada
Programa musical ‘Cultura Livre’ foi editado para suprimir crítica aos tucanos João Doria e Geraldo Alckmin
Classe artística repudia omissão de trecho de canção; ocorrido gera debate na Assembleia Legislativa de São Paulo
Uma semana após censurar uma música exibida no programa “Cultura Livre”, por conter críticas políticas, a TV Cultura recuou de seu posicionamento e decidiu exibir a íntegra do episódio na madrugada desta sexta (21).
A atração musical com a banda Aláfia teria sua versão sem o corte transmitida à 1h.
Uma versão editada do programa foi ao ar na terça-feira (11), censurando um trecho da canção “Liga nas de Cem”, do grupo convidado, que criticava o prefeito de São Paulo, João Doria, e o governador paulista, Geraldo Alckmin, ambos do PSDB.
“Liga nas de cem que trinca/ Nas pedra que brilha/ Na noite que finca as garra/ SP é fio de navalha/ O pior do ruim/ Doria, Alckmin/ Não encosta em mim, playboy/ Eu sei que tu quer o meu fim”, dizia o trecho suprimido.
“Poderiam até ter cortado a música inteira, mas eles editaram o trecho, isso tem uma interferência direta na obra e configura censura”, afirmou o vocalista Eduardo Brechó.
A apresentadora Roberta Martinelli disse que deixará a emissora caso algo similar ocorra novamente: “será o fim do ‘Cultura Livre’ e o fim da minha estadia na TV Cultura”.
O canal é gerido pela Fundação Padre Anchieta, vinculada ao governo do Estado.
A censura repercutiu inclusive na Assembleia Legislativa. O deputado Carlos Giannazi (PSOL-SP) convocou Marcos Mendonça, diretor-presidente da fundação, a prestar esclarecimentos na Alesp e protocolou um pedido de informação à instituição, que tem 30 dias para responder as motivações da censura.
“É muito grave, além da parcialidade da TV Cultura, que é pública e não pode ter caráter partidário, ela está implementando a censura prévia, estamos voltando à ditadura militar”, diz o deputado.
Apesar de aguardar os procedimentos, o deputado se diz convencido a acionar o Ministério Público.
A classe artística também repudiou o ocorrido. “Nós achamos lamentável. Deveria mudar o nome [do programa], não tem nada a ver com ‘Cultura Livre’”, disse Paula Lavigne, presidente do coletivo Procure Saber, que tem entre os integrantes cantores como Gilberto Gil e Caetano Veloso.
“Se realmente houve censura, o que seria lamentável em qualquer situação, nesse caso seria também uma burrice mutilar o melhor programa musical feito atualmente na TV brasileira”, disse Cao Hamburger, criador do “Castelo Rá-Tim-Bum”, um dos maiores sucessos do canal.
“É a mesma coisa que dizer que a discussão política não é de interesse da sociedade como um todo”, declarou Marina Person, ex-apresentadora do “Metrópolis”, outra tradicional atração da TV Cultura, sobre a nota que a emissora emitiu na quarta (19).
Na nota, o canal afirmou que a censura foi para “não difundir ideias ou fatos que incentivem a polarização” e que não utiliza “programação de arte e cultura para fins partidários”. Para a TV Cultura, o debate político fica limitado ao núcleo de jornalismo. Questionado se o recuo implica revisão do posicionamento, o canal não se manifestou.