Folha de S.Paulo

Marcha reduzida

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Mais de 600 cidades em 60 países fizeram no sábado (22) marchas em defesa da ciência. A maioria delas ocorreu nos EUA, onde o movimento começou. No Brasil, foram mais de 20 atos —em visível contraste, porém, com outros eventos pelo mundo.

Nas edições mais bem-sucedidas, o comparecim­ento foi estimado em 40 mil pessoas, como em Washington e Chicago. A de Nova York teve cerca de 20 mil participan­tes, e a de Londres, 10 mil.

Em São Paulo, havia em torno de 500 pessoas no largo da Batata para aquela que se revelaria a maior marcha do país. No Rio, 400 protestara­m. Não deixa de ser positivo que cidadãos saiam em defesa da pesquisa, mas o número empalidece diante da afluência às congêneres estrangeir­as.

Só a USP conta 90 mil alunos, entre graduação e pós-graduação, e por volta de 6.000 docentes, boa parte destes ativos na investigaç­ão científica. Na Unifesp, onde se realiza muita pesquisa, há mais de 17 mil estudantes e 1.500 professore­s.

Seria de presumir que toda essa gente se inclinasse a bater-se por seu campo de atuação, mas o baixo comparecim­ento evidencia que faltou motivação para sair de casa num sábado chuvoso.

Uma explicação para a discrepânc­ia entre Brasil e EUA se en- contra numa tradição mais fraca de valorizaçã­o da ciência por aqui.

Americanos têm consciênci­a do papel da pesquisa no predomínio tecnológic­o e econômico de seu país. Consideran­do-a ameaçada pelo obscuranti­smo e pelo desprezo com os fatos em não poucos integrante­s do governo Donald Trump, saem em multidão às ruas.

Embora o Congresso e o debate público no Brasil ofereçam seguidos exemplos de descaso com evidências, seria exagero dizer que ocorram aqui manifestaç­ões anticientí­ficas com as mesmas frequência e intensidad­e da guerra de “fatos alternativ­os” dos EUA.

No Brasil, praticamen­te só cientistas estão engajados em defender o financiame­nto à pesquisa.

Como a atividade aqui é custeada quase exclusivam­ente pelo governo, sofreu um golpe duro com o corte de 45% nos recursos de livre aplicação do Ministério da Ciência e Tecnologia, reduzidos de R$ 6 bilhões a R$ 3,3 bilhões neste ano.

Para comparação: só os Institutos Nacionais de Saúde americanos dispõem de R$ 82 bilhões anuais. E isso após o corte de R$ 22 bilhões proposto por Trump, que pode cair no Congresso.

Nos EUA, acrescente-se, é o setor privado que responde pela maior parte do gasto em pesquisa. Nesse campo, o Brasil mal engatinha.

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