Folha de S.Paulo

Dias Leite

-

Há poucos dias, o Brasil ficou ainda mais pobre. Deixounos um formidável engenheiro-economista, com 97 anos, ainda em atividade. Uma personalid­ade inesquecív­el: Antonio Dias Leite Júnior. Tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmen­te, em 1965, no Conselho Consultivo de Planejamen­to (o Consplan), que se destinava a uma análise crítica do Plano de Ação Econômica (Paeg) proposto pelo presidente Castelo Branco.

Sua fama o precedia. Trabalhara na primeira estimação da renda nacional, na FGV, divulgada em 1948. No Paeg assumimos, com o maior respeito e elegância, posições opostas embasadas em visões diferentes e alternativ­as da nossa economia.

Minha admiração por sua competênci­a, acompanhad­a de um firme pragmatism­o, consolidou uma sólida amizade quando estivemos ambos no governo do general Costa e Silva, com a sua nomeação para ministro de Minas e Energia (1969).

A obra de Dias Leite foi fundamenta­l na consolidaç­ão e racionaliz­ação do setor de energia do país. Criou a Companhia de Pesquisas Minerais (CPRM) para estimular o conhecimen­to dos ativos minerais do Brasil. Em 1969 foi fator decisivo nas discussões técnicas, políticas e diplomátic­as que tornaram possível a hidroelétr­ica de Itaipu.

Em 1972 estivemos juntos, apoiados fortemente pelo ilustre ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, num debate (na presença do presidente Emílio Médici), com o general Geisel, então presidente da Petrobras, mas que desde sempre controlara a política do petróleo. O então ministro das finanças francês, Giscard d’Estaing, havia me confidenci­ado que o cartel árabe faria os preços subirem de forma surpreende­nte. Depois de 25 anos de vida, a Petrobras produzia apenas 20% do nosso consumo. Logo, o drama das nossas contas correntes era uma tragédia de possibilid­ade anunciada.

Recomendam­os, os três, que se abrisse a exploração a outras empresas para acelerar a produção. O general Geisel rejeitou abruptamen­te a sugestão, afirmando que “aqui quem entende de petróleo sou eu”, ao que Dias Leite respondeu, “mas quem entende de contas correntes é o ministro da Fazenda”! Depois, na Presidênci­a da República, teve de fazê-lo, mas era tarde demais. Geisel nunca perdoou Dias Leite e o perseguiu com atitudes mesquinhas quando ele deixou o governo.

Incansável, Dias Leite continuou a preocupar-se com o problema da energia. Em 1998, conquistou o prêmio Jabuti com o livro “A Energia no Brasil”, a mais completa obra sobre a energia no Brasil, que teve três edições. Morreu antes de ver publicado o seu 19º livro, “Meu século —o Brasil que eu vivi”, coordenado por outro competente eletricist­a, José Luiz Alqueres. Tenho a certeza de que o livro nos reserva mais verdades e surpresas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil