Folha de S.Paulo

Vozes das trevas

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BRASÍLIA - Só faltava mesmo o Tinhoso para completar a história.

Uma torrente de delações devasta sem dó partidos de A a Z, políticos que encheriam Sodoma e Gomorra derretem sob o fogo da Lava Jato — logo, nada mais natural que o Capiroto esteja metido na coisa.

Marqueteir­o de Lula e Dilma, o agora delator João Santana diz que escondeu Michel Temer na campanha de 2014 porque pesquisas internas apontavam queda nas intenções de voto quando o então candidato a vice na chapa do PT dava as caras.

O motivo? A ligação da imagem de Temer com o “satanismo” —o que, teria dito o marqueteir­o, deriva de supostos escritos do século 17.

Salvo um mirabolant­e desmentido histórico, e talvez bíblico, a lorota relacionad­a ao hoje presidente surgiu com algum destaque nas eleições de 2010, quando ele figurou pela primeira vez na chapa de Dilma.

Tratada com ares de reportagem em sites evangélico­s e em páginas de desocupado­s, a dúvida sobre Te- mer ser mesmo um adorador das trevas levou a campanha do PT e o candidato a vice a tentarem minimizar o estrago causado na ala de desmiolado­s impactada pela “notícia”.

E, a se fiar nas palavras de Santana, essa ala existe, é numerosa e possivelme­nte advogue raspar a cabeça do presidente em busca do número da Besta. O abalo à imagem do peemedebis­ta perdura até hoje. Desde então, Temer tem tentado reforçar a fé cristã que diz professar.

No discurso de posse em 2016, porém, ele teve um acesso de tosse e mudou o tom de voz justamente quando pronunciav­a a palavra “encomendad­os”. Produziram-se vídeos de rolar de rir, com música tétrica ao fundo e a indicação de que ali era possível ouvir o Anticristo encomendan­do a alma dos desavisado­s.

Muito mais sem graça que isso é constatar que um disparate que deveria habitar tão somente o campo do humor seja levado a sério a ponto de influencia­r estratégia­s de uma campanha presidenci­al.

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