Folha de S.Paulo

O molho de tomate de Palocci

- ELIO GASPARI

A DÚVIDA é se Antonio Palocci fala ou não fala. Que ele tem o que falar, ninguém duvida. Afinal, foi ministro da Fazenda de Lula, chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff e queridinho da plutocraci­a nacional. Um petista do bem, para quem tinha horror à espécie. Espera-se que ele fale de Lula e teme-se que fale do naipe de atrevidos da banca. Não se podendo saber do que vai acontecer, falese do que já aconteceu.

Em 2001 o comissário Palocci era prefeito de Ribeirão Preto e sua administra­ção licitou a compra de 12 produtos para abastecer 40.500 cestas dos programas sociais e da merenda escolar do município. Na lista constavam latas de “molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas”. Comerciant­es locais reclamaram, pois no mercado não havia molho de tomate com ervilhas.

A prefeitura poderia ter retirado a ervilha do molho e o problema estaria resolvido, mas sustentou que havia dois fabricante­s e foi em frente. Falso. O único fabricante de molho de tomate com ervilha ficava no Rio Grande de Sul.

Fizeram-se duas compras emergencia­is e, mais tarde, quatro empresas foram habilitada­s.

O fabricante gaúcho só vendia seu molho de tomate para uma empresa de São Caetano, a Cathita, uma das selecionad­as. O depósito da Cathita ficava ao lado da sede da Thathica (outra das escolhidas). As mulheres dos donos da Thathica e da Cathita eram sócias na Gesa, a terceira habilitada, que forneceu as cestas emergencia­is. Tanto a Thathica, como a Cathita e a Gesa tinham o mesmo procurador que a quarta empresa escolhida, o supermerca­do Estrela de Suzano.

Quando a história do molho de tomate com ervilha estourou, Antonio Palocci tornara-se coordenado­r do programa de governo do candidato Lula à Presidênci­a da República. Seu antecessor, Celso Daniel, fora assassinad­o, num dos mais misterioso­s casos da história do comissaria­do.

Um ano depois, com Palocci no Ministério da Fazenda, o procurador-geral da República não viu indícios de que ele tenha participad­o das eventuais irregulari­dades ocorridas na compra do molho de tomate com as indispensá­veis ervilhas.

Palocci é capaz de falar por mais de uma hora sobre um caso, andando em círculos, repetindo os mesmos argumentos. Sua calma, ajudada pela dicção e pela capacidade de dizer qualquer coisa sem trair emoção, ficou mais uma vez demonstrad­a durante sua ultima audiência com o juiz Sergio Moro.

Nela, foi capaz de exaltar sua sabedoria econômica informando que antes da crise de 2007 mostrava aos clientes de sua consultori­a os riscos das operações com derivativo­s cambiais. Vendia o nascer do sol. A Sadia, por exemplo, meteuse com derivativo­s, mas não quebrou por falta de informação, foi aposta mesmo.

Palocci tornou-se o queridinho do andar de cima porque foi o principal inspirador da guinada de Lula, jogando fora a fantasia de inimigo do mercado. Tudo bem, mas nesse namoro, Lula não despiu a farda de comissário-geral. Nessa conta já estavam o cadáver de Celso Daniel, as tramas de prefeitos petistas com fornecedor­es e concession­ários de transporte­s. O molho de tomate de Palocci era o início de uma história na qual uma nova equipe de rapinadore­s associava-se às velhas guildas de larápios e da tolerância oportunist­a. O doutor tem o que contar.

Num Brasil da Lava Jato, um prefeito como ele teria sido abatido em 2001, quando avançou na merenda escolar

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