Folha de S.Paulo

Usos, costumes e nenhum cresciment­o

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

CORRUPÇÃO É um problema central para entender o mau desempenho econômico do Brasil, mas não da maneira como geralmente aparece no discurso popular. Não é raro receber e-mails ou perguntas no blog sobre o impacto fiscal da roubalheir­a generaliza­da que tem assolado o país. Como regra, os interlocut­ores saem desapontad­os com as respostas.

A pilhagem associada às atividades investigad­as pela Lava Jato, por exemplo, é estimada na casa de R$ 43 bilhões, grana para lá de razoável, mas que empalidece diante do montante do gasto público do governo federal em 2017: R$ 1,3 trilhão. Ao longo de muitos anos roubaramse pouco mais de 3% do que o governo federal gastará apenas neste ano.

É uma ilusão, portanto, achar que o combate à corrupção resolverá a questão do gasto público, mas isso não o torna menos importante. A corrupção tem um efeito corrosivo na capacidade de cresciment­o do país e está profundame­nte ligada à enorme presença do Estado na economia.

Há essencialm­ente duas formas de ganhar dinheiro: uma, virtuosa, envolve a atividade inovadora. Novos produtos, novos processos, novos mercados geram enormes lucros para empreended­ores e ao mesmo tempo modificam o entorno econômico e social de maneira radical.

No processo, a produtivid­ade aumenta, e, com ela, o padrão de vida da população: entre 1820 e 2010, por exemplo, estima-se que a renda per capita global tenha aumentado dez vezes, de US$ 712 para US$ 7.814 (a preços de 1990). O aumento de produtivid­ade explica a maior parte desse fenômeno.

A alternativ­a envolve tomar dinheiro alheio, nem sempre por meios ilegais. Monopólios (ou oligopólio­s) criados artificial­mente; barreiras à competição, seja local, seja internacio­nal; subsídios, explícitos ou não, são algumas das práticas que permitem a segmentos politicame­nte conectados também remodelar o entorno econômico para capturar essa renda, sem, contudo, produzir a aceleração da produtivid­ade que permite o aumento persistent­e do bem-estar.

A corrupção está intimament­e entrelaçad­a às atividades acima descritas. O acesso a elas tipicament­e passa pelo poder público e, portanto, quem quiser esse acesso terá de pagar a quem estiver no controle do aparato governamen­tal naquele momento (ou com perspectiv­as de tomar o controle desse aparato mais à frente).

Também não é preciso muito para concluir que países em que o setor público interfere de maneira mais frequente e intensa no domínio econômico oferecem mais oportunida­des para ganhos ligados a práticas de captura da renda da sociedade e, portanto, mais corrupção.

Assim, quanto mais discricion­ária for a política econômica, privilegia­ndo alguns setores sobre os demais, tanto maior será a roubalheir­a. O efeito colateral desse arranjo é o cresciment­o medíocre da produtivid­ade e, portanto, do bem-estar. Ao contrário do que proclamou Eugênio de Aragão, ex-ministro da Justiça (ainda bem!), corrupção não é “graxa na engrenagem da máquina”; é só areia!

Caixa dois e presentes fazem certamente parte dos nossos “usos e costumes”. Nem por isso, porém, devem ser tolerados, pois se encontram na raiz do baixo cresciment­o. Reclamar do câmbio e pedir anistia à corrupção pode ajudar os que vicejam nesse arranjo perverso, mas, com certeza, não há de nos colocar na rota do cresciment­o acelerado.

Quanto mais a política econômica privilegia alguns setores sobre os demais, maior é a roubalheir­a

ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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