Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Me isolei, mas agora resgatei o convívio com família e amigos

INOCENTADA PELA JUSTIÇA, MÉDICA ATRIBUI AO ‘DESCONHECI­MENTO’ A ORIGEM DA ACUSAÇÃO DE TER MATADO PACIENTES EM UMA UTI DE CURITIBA

- AMANDA AUDI COLABORAÇíO PARA A EM CURITIBA

Quatro anos após ter ficado conhecida como a “doutora morte”, a médica Virgínia Soares de Souza, 60, hoje vive reclusa em seu apartament­o, na região central de Curitiba, onde mora com um filho e a cachorra Naomi.

Sem perspectiv­as de continuar na medicina, ela trabalha como uma espécie de telemarket­ing, em uma pesquisa por telefone para uma clínica de radiologia local.

Na semana passada, ela foi inocentada pela Justiça da acusação de ter matado sete pacientes, entre 2011 e 2013, na UTI do Hospital Evangélico em Curitiba —unidade de terapia intensiva chefiada por ela na ocasião. O Ministério Publico do Paraná vai recorrer da decisão, com pedido para um júri popular.

Virgínia e outros cinco funcionári­os da UTI (três médicos e duas enfermeira­s) foram acusados pela Promotoria de prescrever medicament­os e alterar padrões de ventilação com o propósito de encerrar a vida de pacientes da unidade para liberar leitos.

Em intercepta­ções telefônica­s autorizada­s pela Justiça, a médica falava sobre a necessidad­e de “sair” com pacientes e “desentulha­r a UTI”.

Na última segunda (24), Virgínia falou à Folha sobre os anos em que foi tachada de assassina e sobre a responsabi­lidade de decidir sobre a distribuiç­ão dos leitos em uma UTI —comparado por ela a uma “escolha de Sofia”, em referência ao filme em que a personagem-título tem de optar pela vida de somente um de seus dois filhos. Folha - Nesses quatro anos desde o início do processo, co- mo tem sido sua vida pessoal e profission­al?

Virgínia Soares de Souza - Estudei. Fiz pós-graduação em auditoria interna. Posteriorm­ente fiz mais um curso de pós-graduação para qualificaç­ão de clínicas de imagem. É minha perspectiv­a trabalhar que tinha vocação e amor. É um serviço exaustivo, fisicament­e e emocionalm­ente. Porque você atende o paciente e a família. Às dores de uma família, você não fica imune. A que a sra. atribui a acusação de que atuou para abreviar a vida dos pacientes? ‘desligar’ pacientes e que quer ‘desentulha­r a UTI’. O que significam?

As frases estavam descontext­ualizadas e foram editadas. Um paciente tinha perdido todos os acessos, a médica estava discutindo comigo, e eu disse: “Perderam os acessos [às veias]?”. E ela: “Perderam”. E eu disse: “Mas só matando essa gente”. Isso é um comentário informal, um desabafo, porque só matando de vez em quando [risos]. Porque a pessoa não pensa no paciente como se fosse um seu [familiar ou amigo].

“Girar a UTI” é um termo que a gente usa, a demanda de leito de UTI é muito alta e a oferta é ínfima. Você abre uma vaga e tem cinco, seis pessoas esperando. Você tem uma responsabi­lidade muito grande e acaba ficando numa situação do livro e o filme “A Escolha de Sofia”. É extremamen­te cruel, porque não tem como saber se o que tem mais chance é o que vai sobreviver.

de UTI é muito alta e a oferta é ínfima. Você acaba ficando numa situação de ‘A Escolha de Sofia’. É extremamen­te cruel

 ?? Andre Rodrigues - 20.mar.2013/Gazeta do Povo/Folhapress ?? A médica Virgínia Soares de Souza ao sair da cadeia, em 2013
Andre Rodrigues - 20.mar.2013/Gazeta do Povo/Folhapress A médica Virgínia Soares de Souza ao sair da cadeia, em 2013

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil