Folha de S.Paulo

‘Skeleton Tree’ (2016)

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Experiment­ação avança sob influência da trágica morte do filho de Nick Cave, que praticamen­te recita as músicas Letras suas, especialme­nte aquelas que se referem a religião, sugerem uma busca por algo. Você tem um sentimento de missão cumprida, de que chegou a um destino?

Num nível prático, nunca estive num lugar e pensei “é aqui que eu vou viver para sempre”. Existe um movimento constante. É uma necessidad­e de continuar a seguir em frente, um tipo de necessidad­e patológica. Você não precisa ser um gênio para olhar em volta e ver que o que mata o espírito criativo é a estagnação. Nós produzimos álbuns que desafiam o público. Quando você ouve um dos nossos álbuns precisa decidir se ainda gosta do Bad Seeds ou não. Há um ensaio na coletânea “Lovely Creatures” sobre lugares onde viveu, como São Paulo, e a falta de influência deles sobre seu trabalho. Foi uma atitude deliberada de não permitir ser influencia­do?

Nada que eu tenha feito até hoje foi deliberado. A maioria das coisas que fiz e dos lugares para onde fui foram uma ação intuitiva e quase sempre uma reação. Não tinha desejo de ir para o Brasil, não sabia nada do país. Vi um filme, “Pixote” [de Hector Babenco], e pensei, “Porra! O Brasil parece bacana!”. Mas foi só uma forma de escapar de uma situação na qual estava em Londres.

O impacto pessoal de um país nem sempre se traduz na composição. Tendo a sentir que estou envolvido num tipo de experiment­o imaginário, que é colorido de alguma forma pelos lugares onde vivi, mas esse mundo não precisa desses lugares para existir. Talvez por causa da perda de seu filho, parece que “Skeleton Tree” é o seu trabalho mais pessoal até hoje. É um Nick Cave, sem personagen­s, cantando para o ouvinte, conversand­o e se revelando?

Sim. No passado não escrevia músicas especifica­mente sobre mim porque sentia que havia algo meio autocongra­tulatório nesse tipo de composição, de dramatizaç­ão de sua situação particular. Não sinto mais isso. As coisas mudaram porque a pele acabou de ser arrancada, e não tenho muita escolha sobre o que escrevo. É um sentimento desconfort­ável o de não ter mais escolha?

Recebo bem isso porque de certa forma sinto como algo novo. Sinto que existe todo um mundo novo que passei 30 anos evitando. Não estou dizendo que álbuns que fiz antes não eram pessoais. Mas havia uma camada protetora em torno de algumas músicas. Podia estar falando sobre mim mesmo, mas havia algo que me protegia de certa forma. Nesta turnê, você se apresentar­á para 20 mil pessoas em Londres. Os ingressos estão esgotados. É raro que um artista consiga atrair muito mais pessoas nesse estágio da carreira. É uma surpresa?

Não. As pessoas adoraram os últimos dois álbuns, e isso é um tipo de confirmaçã­o de um experiment­o que fizemos.

Nós mudamos tudo na nossa música. Finalmente pudemos nos extrair do rock ou das limitações do tipo de rock orientado pela guitarra para algo diferente. Em termos de gênero, não dá para dizer que “Skeleton Tree” é rock. Você pode dizer que “Boatman’s Call”, apesar de ser um monte de baladas, é um disco de rock.

Mas “Skeleton Tree” é totalmente diferente. É estimulant­e. É como estar começando de novo com alguma coisa. Se vamos continuar, não tenho ideia, mas sentimos que estamos num lugar com infinitas possibilid­ades. Acho uma realização incrível fazer 16 álbuns e estar sentado nesse lugar. Ou foi pura sorte, ou algo aconteceu.

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