Folha de S.Paulo

Greve geral

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Uma parte do Brasil vai parar nesta sexta (28) para protestar contra a reforma da Previdênci­a. “Eu desaprovo o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo”. A frase é creditada a Voltaire, mas ele nunca a escreveu. Fatos alternativ­os não são exatamente uma novidade. De todo modo, o aforismo resume o pensamento do filósofo em relação à liberdade de expressão: ela precisa valer independen­temente de concordarm­os com o conteúdo daquilo que é dito.

Essa regra pode ser estendida para a democracia. Qualquer um pode protestar contra qualquer coisa e, se a maioria da população, seguindo os trâmites legais, decide adotar uma política que levará o país para o buraco, resta-nos cair no buraco.

Penso que é bem essa a situação da reforma da Previdênci­a. Nosso modelo é insustentá­vel diante das transforma­ções demográfic­as em curso. É claro que é possível discutir se a idade mínima para receber a aposentado­ria deve ser de 65 ou de 62 anos e se o trabalhado­r terá 70% ou 90% de seu salário na ativa (o endurecime­nto de um parâmetro pode compensar o relaxament­o de outro), mas não é necessário ter doutorado em finanças para concluir que, se não limitarmos os benefícios, ou eles deixarão de ser honrados, ou precisarem­os tirar recursos de outro lugar.

E, como não estamos falando de dinheiro pequeno, na segunda hipótese teria de haver cortes em áreas sociais como educação e saúde ou fortes aumentos na carga tributária brasileira, que, vale lembrar, já é significat­ivamente maior que a de países com igual nível de desenvolvi­mento.

Seria bacana se a turma que rejeita “in limine” a proposta do governo apresentas­se um projeto alternativ­o que pare em pé, mas não creio que isso ocorrerá. Sua motivação é mais política do que técnica. A dificuldad­e da sociedade em resolver um problema que no fundo é aritmético pode soar exasperant­e, mas faz parte das atribulaçõ­es do jogo democrátic­o. helio@uol.com.br

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