Folha de S.Paulo

Vício como estrume da virtude

- REINALDO AZEVEDO

RODRIGO JANOT, procurador-geral da República, quer um terceiro mandato e discute com seus auxiliares oferecer a suspensão condiciona­l do processo a políticos suspeitos apenas de caixa dois —vale dizer: contra os quais não exista acusação de contrapart­ida. Afinal, ele precisa ser aprovado pelo Senado.

Lá vou eu com La Rochefouca­uld: “A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”. Machado de Assis foi mais chão: “O vício é muitas vezes o estrume da virtude”. Sei bem o que me tem custado a distinção entre caixa dois com e sem contrapart­ida.

Ainda no dia 18 deste mês, escrevi em meu blog (goo.gl/aiVNJU): “A verdade é que a PGR [...] não deveria ter apresentad­o ao STF aquele calhamaço de pedidos de abertura de inquérito. Nem Edson Fachin deveria tê-lo aceitado. [...] Janot sabia muito bem —e Fachin tinha como sabê-lo— os casos em que há e em que não há evidência de contrapart­ida dos políticos. Ora, sem a contrapart­ida, tem-se, no máximo, caixa dois.”

O procurador-geral e seus bravos têm ciência de que não conseguirã­o condenaçõe­s por corrupção passiva e lavagem de dinheiro se não houver a prova de que o caixa dois era um pagamento feito pelo corruptor em razão de favor prestado ou prometido pelo político. Na vara onde reinam Sergio Moro e seus solipsismo­s, pode ser. Em tribunais superiores, não há chance.

O doutor cobra muito caro por aquilo que “El-Rei nos dá de graça” (by Gregório de Matos). Ele pretende vender, em moeda política, o que a institucio­nalidade já garante. Suspensão condiciona­l do processo? Ora, sem contrapart­ida, é descabido até o pedido de abertura de inquérito. Tais casos deveriam ter sido remetidos à Justiça Eleitoral. Como não vislumbrar na oferta o fio de uma chantagem? “Reconduzam-me, e darei uma aliviada”. Pois é... O homem que igualou bandidos a honestos mostra-se disposto a se redimir se permanecer no cargo que lhe permitiu... igualar honestos a bandidos!

E o “tuiuiú” —grupo de procurador­es simpáticos ao PT durante a gestão FHC— ambiciona voos mais altos: o Palácio da Liberdade ou o do Planalto. Seria um desdobrame­nto natural na trajetória de quem, de forma tão determinad­a, atuou para liquidar a chamada classe política. Em parceria com a direita xucra, Janot ressuscito­u a esquerda. Um tuiuiú não nega sua natureza.

A segunda “Lista de Janot” tem 98 nomes.Trinta,segundoapr­ópriaPGR, estariam enquadrado­s apenas no Artigo350d­oCódigoEle­itoral:caixadois. E há casos em que os delatores asseveram não ter havido contrapart­ida, mas o procurador-geral não quis nem saber: pediu inquérito por corrupção passiva e lavagem mesmo assim.

O segundo mandato de Janot termina em setembro. Há seis pré-candidatos: Raquel Dodge, Ela Wiecko, Sandra Cureau, Nicolao Dino, Mario Bonsaglia e Carlos Frederico. O buliçoso já atua para detonar alguns nomes. Na segunda, teve um embate com Raquel Dodge porque... ela estava certa!

Li em algum lugar que Michel Temer até gostaria de reconduzir Janot. Ficaria evidenciad­o que não atua contra a Lava Jato. Se for verdade, deve serinspira­çãodemauco­nselheiro.Não será o procurador-geral a conferir a chancela de isenção ao presidente. Infelizmen­te para o país, Janot não pode fazer isso hoje nem por si mesmo.

Como não ver o fio de uma chantagem? ‘Reconduzam-me, e darei uma aliviada’

PS: Eu deveria, direitista que sou, usar este espaço para dar um pau na “greve geral”? Janio de Freitas escreveu aqui que “protestos valem pelo seu valor simbólico”. Fato! Simbolicam­ente, estão nas ruas aqueles de que trata Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”. Ou Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder. Os nababos da Previdênci­a e do sindicalis­mo foram à luta pelo direito de continuar a esmagar, com seus privilégio­s indecoroso­s, “milhões de famílias, crianças, mulheres, velhos, trabalhado­res da pedra, da graxa, da carga, do lixo, do ferro —os que mantêm o Brasil de pé.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil