Folha de S.Paulo

Lava Jato segue como alvo, diz procurador

Para presidente de associação, projeto de abuso de autoridade teve avanços, mas brechas ainda miram operação

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Integrante do Ministério Público afirma que texto tem contradiçã­o entre enunciado geral e pontos específico­s

Presidente da Associação Nacional dos Procurador­es da República, José Robalinho Cavalcanti reconhece avanços no projeto de lei sobre abuso de autoridade aprovado nesta quarta-feira (26) no Senado, mas diz que o texto continua com falhas que têm a Operação Lava Jato como “endereço certo”.

Apesar de a parte geral da norma ter sido revista pelos senadores — que suprimiram a possibilid­ade de que uma simples divergênci­a de interpreta­ção em decisões pudesse ser punida — a tipificaçã­o de alguns crimes de abuso mantém brechas nesse sentido, segundo o procurador.

Até que essa contradiçã­o seja resolvida pelo Judiciário, haveria espaço para ações contra magistrado­s e integrante­s do Ministério Público. “Teríamos a utilização dessas ações pelas defesas para dizer que juiz é suspeito, que é prova de que perseguiu. Isso é o tipo da situação absolutame­nte indesejáve­l.”

Dois pontos citados por Robalinho são os artigos que definem o que pode ser considerad­o abuso em casos de prisão preventiva e condução coercitiva — instrument­os considerad­os fundamenta­is para o sucesso da Lava Jato.

No caso da prisão preventiva, o texto diz que incorre em crime “a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixe de relaxar prisão manifestam­ente ilegal”.

Pela norma, diz Robalinho, tanto Sergio Moro quanto magistrado­s do Tribunal Regional Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ficariam expostos a processos a partir da decisão do Supremo de soltar João Carlos Genu e José Carlos Bumlai na terça (25).

“Isso abriria, em tese, a possibilid­ade de processo de abuso de autoridade contra todo mundo que está abaixo [do Supremo]. Isso não é algo desejável nem que se possa entender como positivo.”

Robalinho diz também que o trecho que trata da condução coercitiva é “mais confuso ainda”. “O projeto trata como se ela fosse, por si só, um abuso, quando, na verdade, é uma medida usada para evitar a decretação de prisão temporária”, afirma.

Para ele, não há dúvidas de que a tipificaçã­o do abuso ligado à condução coercitiva “está lá colocada erradament­e com endereço certo, para fazer crítica a Lava Jato”.

A tipificaçã­o da obtenção de prova ilícita, segue o procurador, também precisa de ajustes, para que erros sem dolo não sejam punidos.

Robalinho quer manter o diálogo com parlamenta­res para aprimorar o texto na Câmara. “Não temos mais críticas severas à parte geral. Mas a parte da punição dos crimes ainda tem muita coisa que precisa ser retirada, que está lá com endereço certo.”

Em nota na quarta, Moro usou tom semelhante, mas mais ameno. “O texto aprovado ainda merece pontuais críticas, mas alguns receios mais graves foram afastados”, escreveu. (PAULO GAMA)

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