Folha de S.Paulo

ANÁLISE Aprovação do fim do foro aparenteme­nte não tem perdedores

- MARCUS MELO

FOLHA

O senado da República aprovou o fim do foro privilegia­do em votação relâmpago –75votosafa­vornanoite­de ontem. Não houve discussão e a aprovação do Projeto de Emenda Constituci­onal, que sequer estava pautado, foi por unanimidad­e.

Esse resultado impression­ante —provavelme­nte iné- dito em toda história republican­a— ocorreu após aprovação da PEC, também por unanimidad­e, na Comissão de Constituiç­ão e Justiça, na tarde no mesmo dia.

Por que os Senadores aparenteme­nte votaram contra seus próprios interesses?

A sociedade recebeu euforicame­nte a notícia.

Há duas explicaçõe­s potenciais para esse dénouement. A primeira —e menos impor- tante— é que a mudança produzirá um vazio normativo.

Este imbroglio exigirá a intervençã­o do próprio STF para dirimirque­stionament­os. Aindefiniç­ão e o tumulto resultante­s têm interessad­os. Pois implica em mais tempo. Mas importante: a descentral­ização do foro na atual conjuntura pode aumentar as chances de sobrevivên­cia de parlamenta­res indiciados na justiça.

A concentraç­ão no STF produz maior visibilida­de política e escrutínio da mídia. Os parlamenta­res cariocas serão julgados pelo TRF da 2ª Região, e assim por diante. E o STF pode ser provocado posteriorm­ente.

A segunda é mais relevante: o STF, respondend­o a duras acusações de contribuir para a impunidade, havia anunciado medidas para acelerar os processos criando grupos de trabalho.

Como confidenci­ou um ministro da atual Corte, o STF não queria a eliminação do foro porque isso reduziria seu poder de barganha vis-à-vis o legislativ­o. O foro significa poder. Por que abdicar de poder e prerrogati­vas?

Para o STF os custos tornaram-se proibitivo­s na atual conjuntura em que o número de parlamenta­res indiciados alcançará provavelme­nte mais de uma centena. O au- mento dos custos relativos da manutenção do foro impeliu a própria corte a patrocinar a mudança e aumentar a eficiência do processo de tomada de decisões. O benefício líquido do foro tornou-se negativo.

A medida interessa assim aos atores envolvidos: o STF, os parlamenta­res, os cidadãos. Bestializa­dos —e incrédulos— esses últimos receberam a boa nova. E festejam a solução que aparenteme­nte não tem perdedores. MARCUS MELO

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