Impacto de dissolução para Brasil seria dúbio
Um dia após reportagens da imprensa americana afirmarem que o presidente Donald Trump estaria preparando a saída dos Estados Unidos do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), o republicano afirmou que aceita renegociar o tratado em vez de abandoná-lo.
Trump disse nesta quintafeira (27) na Casa Branca que de fato vinha avaliando a possibilidade de abandonar o pacto, mas que chegou à conclusão de que fazê-lo agora “seria um choque muito grande para o sistema”.
Mais cedo, o presidente havia dito em um de seus canais oficiais que recebeu ligações do presidente do México, Enrique Peña Nieto, e do premiê do Canadá, Justin Trudeau, pedindo a ele que renegociasse os termos do acordo.
“Eu concordei, com a condição de que se não chegarmos a um acordo justo para todos, nós sairemos do Nafta”, escreveu o republicano, afirmando ainda que as “relações são boas” e que um “acordo é muito possível”.
Segundo a Casa Branca, “o presidente Trump concordou em não abandonar o Nafta neste momento, e os líderes concordaram em agir rapidamente, segundo os procedimentos internos necessários, para possibilitar a renegociação do acordo do Nafta em benefício dos três países”.
Canadá e México reagiram com alívio a desistência de Trump de abandonar o acordo por ora. Trudeau disse que o fim do pacto “causaria muitos problemas no curto e médio prazos”. O chanceler mexicano, Luis Videgaray, declarou que a ruptura americana “era uma possibilidade real”.
Em telefonema, os líderes canadense e mexicano concordaram que a renegociação “é uma oportunidade de atualizar o acordo de livre comércio para beneficiar a todos”. PALANQUE Sinalizando estar disposto a endurecer as relações comerciais com os países vizinhos, o governo Trump anunciou na terça (25) tarifas sobre a madeira canadense, irritando a nação fronteiriça.
Desde a campanha eleitoral, no ano passado, Trump classifica o Nafta como “o pior acordo de comércio” já assinado pelos EUA. “Ou renegociamos o acordo ou o rompemos”, prometeu à época.
O republicano, que já tirou os EUA da Parceria Transpacífico, assinada com 11 países por Barack Obama, atribui ao livre comércio o aumento do desemprego por transferir a produção industrial a países com mão de obra mais barata, como o México.
Em entrevista à agência de notícias Reuters, Trump anunciou que o próximo a ser renegociado será o com a Coreia do Sul, que chamou de “horrível”. E disse que vai fazer Seul pagar pelo sistema antimísseis que está instalando, avaliado em US$ 1 bilhão.
A posição sobre o Nafta contradiz o ideário de seu partido. Logo após a posse, Trump anunciou a renegociação. No último mês, porém, as discussões esfriaram.
A ausência de uma definição sobre o futuro do Nafta poderia ser interpretada pelos eleitores de Trump como uma dificuldade em cumprir promessas de campanha.
Ele, que completa cem dias no cargo neste fim de semana, tem enfrentado barreiras na Justiça e no Congresso para aprovar medidas de imigração, saúde e segurança, o que desgastou sua imagem.
Pesquisas indicam que Trump é o presidente americano com a pior aprovação para os três primeiros meses de mandato (40% na aferição mais recente do Gallup).
O Nafta entrou em vigor em 1994, num período em que a formação de blocos de livre comércio era uma tendência internacional. O objetivo do acordo é reduzir ou eliminar barreiras alfandegárias entre EUA, México e Canadá.
O grupo também tem pactos com países como o Chile, que usufruem de vantagens no acesso a esses mercados.
Um eventual término do Nafta teria efeito duplo para o Brasil. De um lado, empurraria México e Canadá a se engajar em outros acordos comerciais. E o Brasil, com declarado interesse numa parceria com ambos, poderia lucrar.
Mas, de outro, traria danos às empresas brasileiras que investiram nesses países contando com o acesso aos três mercados —o Brasil foi o país que mais investiu no México de 2006 a 2015, por exemplo.
O governo brasileiro tem procurado enfatizar o lado positivo da história. “Não resta dúvida que o Brasil pode se beneficiar desse movimento isolacionista dos EUA”, afirmou à Folha o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira.
Segundo ele, as autoridades mexicanas já dão, inclusive, sinais de desejar a aproximação.
No curto prazo, dificilmente haveria um impulso nas vendas para os Estados Unidos. O mercado americano é o segundo maior para o Brasil no exterior, mas o país representa 1% do que os americanos importam.
“China, Japão, Alemanha e Coreia do Sul, que já são grandes parceiros deles, estão em condições melhores de ocupar esse espaço”, diz José Pimenta Jr.,professor de Relações Internacionais da ESPM. JOGO DE CENA Apesar dos diferentes cálculos sobre os efeitos para o comércio exterior mundial do fim do Nafta, analistas ainda apostam que a ameaça de Donald Trump não é para valer.
“Diria que é uma tática de negociação. Ao ser muito duro no início, ele força os dois países a sentar na mesa. E cria a disposição para que façam concessões”, diz Diego Bonomo, gerente de comércio exterior da CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Ele lembra que os EUA têm muito a perder com uma eventual saída —exportadores americanos seriam atingidos. Por isso, Trump enfrentaria forte resistência do Congresso para levar o plano adiante.
“Na minha visão, no fim, haverá mais [presença do] Nafta do que menos. Em certas áreas, como no setor automotivo, pode até haver retrocesso. Mas ele será compensado com avanço em outras áreas.”