Folha de S.Paulo

Papa vai ao Egito sob temor de atentados

Visita é a primeira de um líder católico ao país desde o ano 2000; minoria cristã foi alvo de ataques recentes

- YAN BOECHAT

Cristãos egípcios, coptas são minoria perseguida no país; segurança foi reforçada para receber Francisco

O papa Francisco desembarca nesta sexta (28) no Cairo para a primeira visita de um líder católico ao Egito desde João Paulo 2º em 2000. Francisco ficará 24 horas no país, mas sua agenda carregada é repleta de simbolismo.

O papa será recebido pelo presidente Abdel Fatah al-Sisi, com quem tratará, ao menos a portas fechadas, da perseguiçã­o aos cristãos coptas.

À tarde, fará um pronunciam­ento sobre tolerância religiosa com o grande imã do Cairo, xeque Muhammad Ahmed al-Tayeb, e, no fim do dia, visitará a Catedral do Cairo com o papa da Igreja Ortodoxa Copta, Tawadros 2º. O local foi alvo de atentado a bomba no fim de 2016 que deixou mais de 20 mortos.

No sábado (29), o líder católico celebrará uma missa em um estádio militar na capital egípcia. No meio da tarde, ele retorna ao Vaticano.

Francisco chega ao Egito apenas três semanas após atentados deixarem 47 mortos e mais de cem feridos em igrejas cristãs coptas no Domingo de Ramos. Com o temor de novos ataques, o governo montou uma operação de segurança reforçada.

Ruas serão fechadas, as igrejas receberão patrulhas militares e detalhes da organizaçã­o estão sob sigilo. Ninguém sabe qual trajeto o papa usará para se deslocar.

Estão descartado­s passeios com o papamóvel, mas Francisco rejeitou usar carro blindado, deixando as autoridade­s ainda mais atentas.

Nos últimos seis meses, ataques reivindica­dos pela facção terrorista Estado Islâmico mataram quase cem pessoas no país, ampliando as tensões entre cristãos e muçulmanos. Desde que os extremista­s conquistar­am

Minoria cristã relacionad­a ao povoamento antigo do Egito Por volta de 50 d.C., em Alexandria 90 Muçulmanos 10 Cristãos vastas áreas na península do Sinai, os cristãos coptas têm sido seus alvos preferenci­ais.

No sul do país, mais pobre e rural, as tensões também estão acirradas, com protestos de muçulmanos contra a construção de igrejas e ataques a casas de coptas. SECTARISMO “Apesar de o governo defender publicamen­te as minorias religiosas, em especial os coptas, não vemos combate efetivo a incidentes sectários”, diz Ishak Ibrahim, da ONG Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais.

Ibhraim é cristão —minoria que perfaz cerca de 10% dos mais de 90 milhões de egípcios— e acompanha as investigaç­ões de ataques.

“Ninguém foi preso ou julgado”, diz. “Na prática, essa visita beneficia muito mais al-Sisi do que os cristãos.”

Os coptas são os cristão egípcios, comunidade que remonta a 50 d.C. e hoje se concentra sobretudo no sul. Já os católicos romanos no Egito são 0,5% da população.

Desde que assumiu o poder em um golpe de Estado em 2013, Abdel Fatah al-Sisi se coloca publicamen­te como defensor dos cristãos: doou fundos para a construção e reforma de igrejas e recebe apoio do papa copta.

Após os ataques do Domingo de Ramos, al-Sisi declarou estado de emergência, revogando direitos constituci­onais com a justificat­iva de combater o Estado Islâmico e os ataques aos cristãos.

No entanto, para os coptas, pouco mudou com sua chegada ao poder. Discrimina­dos e perseguido­s, muitos não veem avanço, apesar de dizerem apoiar al-Sisi.

“Sejamos sinceros, ninguém nos defende de verdade, nem nossa Igreja. Estamos nas mãos de Deus e condenados a viver na miséria, como os primeiros cristãos do Egito”, diz Gergis Farouk, 44.

Farouk é um dos mais de 125 mil coptas que vivem no que ficou conhecido no Cairo como a Cidade do Lixo.

É uma favela parecida com as brasileira­s, onde homens, mulheres e crianças trabalham coletando e reciclando o lixo produzido na capital.

Desde a década de 40, quando o êxodo rural trouxe milhares de cristãos das regiões mais pobres do país para o Cairo, os coptas são os responsáve­is pela coleta e manuseio dos dejetos. Só na Cidade do Lixo são movimentad­as 6.000 toneladas ao dia.

Farouk, como boa parte de seus vizinhos, nunca trabalhou com outra coisa que não lixo —assim como seu avô, seu pai e seus cinco filhos.

“A visita do papa do Vaticano é boa, bonita, mas, na prática, não mudará nada, não serve para nós”, diz.

Os coptas não demonstram entusiasmo com Francisco. Nas ruas de bairros cristãos há pouca ou nenhuma referência à visita, ignorada no restante da cidade majoritari­amente muçulmana.

“A visita mostrará que precisamos estar juntos, e, nesse momento complicado, unirmo-nos em torno do amor”, diz o bispo copta Thomas de El-Quosia, um dos poucos clérigos que se encontrarã­o com o papa Francisco.

 ?? Yan Boechat/Folhapress ?? Cristãos ortodoxos coptas recebem a comunhão na catedral do monastério da Virgem Maria e de São Simão, Cairo; há cerca de 9 milhões deles no Egito
Yan Boechat/Folhapress Cristãos ortodoxos coptas recebem a comunhão na catedral do monastério da Virgem Maria e de São Simão, Cairo; há cerca de 9 milhões deles no Egito

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