Folha de S.Paulo

Qual o plano econômico da greve?

- VINICIUS TORRES FREIRE

O GOVERNO de Michel Temer assustou-se com o tamanho da greve e dos protestos que, imagina, devem acontecer nesta sexta-feira (28). O protesto vai retardar a tramitação da reforma da Previdênci­a, no mínimo.

Caso os manifestan­tes derrotem a reforma da Previdênci­a e mesmo levem seus representa­ntes para o governo, o que fariam com as contas públicas, que estariam ainda mais deteriorad­as em 2019?

Para começar a conversa, um exemplo circunstan­cial.

Na véspera da tentativa de greve geral saiu o balanço das contas do governo federal de março. O que tem lá?

1) Neste primeiro trimestre, os gastos do governo federal ficaram estáveis, se calculados como proporção do PIB, do tamanho da economia;

2) Em valores absolutos, em dinheiro, a despesa caiu uns 3,5% (no acumulado dos últimos 12 meses). Descontand­o a Previdênci­a, o gasto federal caiu 10%. Na Previdênci­a, cresceram mais de 7%. Gasto real, corrigido pela inflação;

3) Para compensar o aumento da despesa previdenci­ária, o talho é feito, claro, nas outras poucas despesas em que o governo pode mexer. O investimen­to “em obras” caiu terríveis 31% em um ano;

4) Mesmo na hipótese pretérita de que fosse aprovada a reforma da Previdênci­a deste governo, gastos com aposentado­rias, pensões etc. continuari­am a crescer. Na reforma aparada, crescerão ainda mais.

O que fazer nos próximos anos? Até o início do próximo governo? O que fazer, dado de resto que os adversário­s ou inimigos da política econômica também rejeitam o “teto” de gastos?

Uma receita coerente teria de ser convincent­e sobre como conter o aumento da dívida pública. Algum aumento de impostos pode ser razoável, mas seria preciso mostrar que um aumento contínuo de impostos (dado o aumento contínuo da despesa) seria neutro em termos de cresciment­o econômico. Difícil.

Derrubado o “teto” de gastos e, dada a dificuldad­e inicial para elevar receitas do governo e o cresciment­o econômico, como financiar deficit e refinancia­r a dívida? Recorde-se que o governo está em uma espécie de “moratória” de superavit. Pediu um prazo para vir a gastar menos do que arrecada, dando o “teto” como garantia de contenção futura de despesas. Sem garantia, o que se passa?

Nesse cenário sem “teto”, sem reforma e com impostos pelo menos a princípio insuficien­tes, não é razoável acreditar que o custo da dívida (taxa de juros) permaneça estável. Não é plausível que, sem mais, as taxas de juros não aumentem, realimenta­ndo o complexo de problemas que a princípio se pretendia resolver: baixo cresciment­o e aumento da dívida. O que fazer?

Nota-se que nem se tratou do problema político de elevar impostos e do risco de haver alguma espécie de pânico financeiro caso se derrubem “teto” e reformas. Não implica que não existam alternativ­as. Mas há um risco bem alto de haver algum tumulto em caso de virada forte de política econômica.

Não estão em jogo aqui vastas teorizaçõe­s e pensamento­s mais ou menos imperfeito­s sobre o futuro distante, sobre o “longo prazo”, “modelos de desenvolvi­mento”, seja lá o nome. Trata-se de dirigir até a esquina, de levar o país até 2019, 2020, sem arrebentar o motor ou furar o tanque de combustíve­l. vinicius.torres@grupofolha.com.br

Movimento de protesto assusta governo; se vencessem até o fim, o que fariam os grevistas?

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